Foto: jcomp/Freepik

Prevalência de transtornos mentais é alta, mas não teve aumento importante na pandemia

Foram avaliados 2.117 participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa Brasil) em três períodos ao longo da pandemia, entre maio e dezembro de 2020, por meio de questionários de ansiedade, depressão e estresse, aplicados de forma digital e on-line.

Níveis de sintomas psiquiátricos, como ansiedade e depressão, apesar de se manterem estáveis, continuam em patamares altos.

A pandemia de covid-19 não alterou de forma significativa a ocorrência de transtornos mentais, porém ela continua alta, afetando mais de 20% da população. O resultado faz parte de uma pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) que avaliou 2.117 participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa Brasil), acompanhados desde 2008 e avaliados periodicamente durante a pandemia, em 2020. O trabalho também mostra que os níveis de sintomas psiquiátricos, como ansiedade e depressão, apesar de se manterem estáveis, permanecem em patamares elevados. Segundo um dos coordenadores do estudo, uma das possíveis razões para essa estabilidade, mesmo com os problemas surgidos com a pandemia, é que as pessoas amenizaram os efeitos do isolamento social por meio de conexões digitais e home office, conseguindo manter a saúde mental.

Os resultados são detalhados em artigo publicado em 21 de abril na revista científica Psychological Medicine, da Cambridge University Press (Reino Unido). A pesquisa avaliou a prevalência de transtorno mental e fatores de risco associados no grupo acompanhado pelo Elsa Brasil. “Ao todo, foram avaliados 2.117 participantes do Elsa Brasil em três períodos ao longo da pandemia, entre maio e dezembro de 2020, por meio de questionários de ansiedade, depressão e estresse, aplicados de forma digital e on-line”, explica o professor do Instituto de Psiquiatria (IPq) da FMUSP, André Brunoni, um dos coordenadores do trabalho. “Os dados obtidos foram comparados com avaliações feitas pelo Elsa Brasil entre os anos de 2008 e 2010, 2012 e 2016 e 2018”.

Os pesquisadores verificaram sintomas de depressão, ansiedade, fadiga, insônia, preocupações físicas e mentais, pânico, fobias, compulsões e obsessões, e alterações de apetite. “A média de idade dos participantes é de 62,3 anos, e 58,2% são mulheres”, relata o professor. “A prevalência dos transtornos mentais continuou alta, entre 20% e 25%, mas não mudou de forma significativa na comparação com valores pré-pandemia. A taxa de transtorno mental comum oscilou entre 23,5% e 21,1%, enquanto a de transtornos depressivos foi de 3,3% para 2,8%. A de transtornos de ansiedade variou entre 13,8% e 8%.”

O estudo mostra que a presença de transtorno mental foi maior em mulheres, de baixa escolaridade e com menos de 60 anos, aponta Brunoni. “Idade mais jovem, sexo feminino, nível educacional inferior, etnia não branca e transtornos psiquiátricos anteriores foram associados a aumento das chances de transtornos psiquiátricos, enquanto autoavaliação de boa saúde e boa qualidade de relações estão ligadas ao risco reduzido”, afirma. “Quanto aos sintomas psiquiátricos, inclusive os de depressão, ansiedade e estresse, apesar de uma pequena redução, os níveis permanecem elevados em relação às avaliações feitas antes da pandemia.”

Efeito teto
Para abordar as possíveis razões que levaram à estabilidade dos níveis de transtornos mentais e sintomas psiquiátricos mesmo com as dificuldades surgidas com a pandemia, o professor faz uma distinção entre as duas situações. “Sintomas e diagnósticos são coisas diferentes”, salienta. “Ter um sintoma depressivo é algo normal na pandemia, diferente de um transtorno depressivo maior, que é uma síndrome com componentes genéticos e de história de vida.”

Brunoni observa que possivelmente os patamares de transtornos e sintomas já estavam tão altos que não permitiram uma elevação maior. “Por exemplo, antes da pandemia, quase um em cada quatro participantes do Elsa Brasil tinha um transtorno mental comum. Não havia mais espaço para aumentar, o que é chamado de ‘efeito teto’”, explica. “Outra explicação possível para o resultado é que as pessoas conseguiram manter a saúde mental ao evitar o isolamento, através de conexões digitais e home-office.”

“O próximo passo do estudo é identificarmos quem são as pessoas mais vulneráveis a apresentarem ou piorarem o transtorno mental comum, continuando esta avaliação ao longo de 2021”, planeja Brunoni.

Por meio da investigação de um grupo de 15 mil funcionários de seis instituições públicas de ensino superior e pesquisa do Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil, o Elsa Brasil pesquisa a incidência e os fatores de risco para doenças crônicas, principalmente cardiovasculares e diabetes, sendo que entre os fatores indiretos estão as doenças relacionadas à saúde mental.

Os resultados da pesquisa são apresentados no artigo Prevalence and risk factors of psychiatric symptoms and diagnoses before and during the COVID-19 pandemic: findings from the Elsa-Brasil Covid-19 Mental Health Cohort, publicado em 21 de abril no site da revista científica Psychological Medicine, da Cambridge University Press (Reino Unido). O estudo foi liderado por André Brunoni, Isabela Bensenor e Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). O trabalho teve a colaboração de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Harvard Medical School (Estados Unidos) e Oxford University (Reino Unido) e foi apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Mais informações: e-mail brunowsky@gmail.com, com o professor André Brunoni