A pesquisa também identificou 17 mutações na linhagem P.1 do vírus, três delas relacionadas à maior capacidade da variante romper as defesas do organismo e provocar a doença.
Análises genéticas apontam que variante do vírus possui três mutações relacionadas à maior capacidade de romper defesas do organismo e provocar a doença.
A variante P.1 do coronavírus, surgida em Manaus no final de 2020, pode ser de 1,7 a 2,4 vezes mais transmissível que outras linhagens do vírus da covid-19. A estimativa, baseada em análises genéticas e estatísticas, faz parte de um estudo internacional, com participação do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), divulgado em artigo no site da revista Science em 14 de abril. A pesquisa também identificou 17 mutações na linhagem P.1 do vírus, três delas relacionadas à maior capacidade da variante romper as defesas do organismo e provocar a doença.
O número de casos de covid-19 em Manaus voltou a crescer no final do ano passado e o sequenciamento do genoma de vírus amostrados entre novembro de 2020 e janeiro de 2021 revelou o surgimento e a circulação de uma nova e preocupante linhagem do vírus sars-cov-2, que causa a doença. “O objetivo geral da pesquisa é entender como aconteceu a dispersão inicial da P.1 e a maneira que essa variante foi transmitida durante a segunda onda da epidemia de covid-19 em Manaus”, conta a professora Ester Sabino, do IMT e da FMUSP, uma das autoras do artigo.
As análises genéticas da linhagem P.1 feitas pelos pesquisadores mostraram que a variante do vírus adquiriu 17 mutações, três delas (K417T, E484K e N501Y) associadas ao aumento da ligação ao receptor ACE2 nas células humanas. “Essas três mutações já foram identificadas em outras variantes de preocupação”, aponta Ester. “Os cientistas já sabem que elas são importantes para que o vírus possa escapar dos anticorpos neutralizantes e aumente a afinidade com o receptor, que acaba servindo como porta de entrada para o vírus nas células.”
Surgimento da P.1
Durante a pesquisa, os cientistas utilizaram a técnica de relógio molecular, que usa as diferenças genéticas entre as linhagens do vírus para calcular quando surgiram as variantes. “O relógio molecular ajuda a dizer quando a P.1 apareceu, ou seja, quando foi introduzida e quando começou a se expandir”, explica a professora. “Aparentemente, a P.1 emergiu em meados de novembro de 2020, sendo precedida por um período de evolução molecular mais rápida.”
Segundo Ester, “a transmissibilidade da linhagem P.1 foi medida pela taxa de crescimento do vírus em relação às outras variantes”. Por meio de um modelo que integra dados genéticos e de mortalidade, a pesquisa estimou que a P.1 pode ser de 1,7 a 2,4 vezes mais transmissível. Também foi calculado que a infecção por outras linhagens adquirida anteriormente fornece de 54% a 79% de proteção contra a P.1, em comparação com a infecção pelas demais variantes. “A proteção é um modelo matemático que tenta entender tudo ao mesmo tempo, a proteção, a gravidade e a transmissibilidade, e todos esses fatores precisarão ser medidos diretamente com o prosseguimento dos estudos.”
A professora destaca que os resultados da pesquisa reforçam o papel da vigilância genômica como forma de aumentar a capacidade de resposta à pandemia. “A vigilância serve para entender como a nova linhagem está se comportando, permitindo fazer mais prognósticos e proporcionar uma melhor compreensão do que está acontecendo”, conclui. O estudo, descrito no artigo Genomics and epidemiology of the P.1 SARS-CoV-2 lineage in Manaus, Brazil, publicado no site da revista Science em 14 de abril, é resultado do trabalho conjunto de pesquisadores brasileiros, dos Estados Unidos e Europa, sob coordenação do Centro Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE).
Mais informações: e-mail sabinoec@gmail.com, com Ester Sabino
Imagem destacada: Fotomontagem sobre imagem Pixabay