Covid-19: Rede Genômica Fiocruz vai sequenciar amostras do vírus no Brasil

A Rede Genômica Fiocruz está participando de um projeto do Ministério da Saúde que vai sequenciar amostras do novo coronavírus em todo o território nacional. Atualmente, apenas três laboratórios centrais (Lacens) nos estados estão aptos a essa tarefa. A Rede reúne pesquisadores de diversos institutos da Fundação para estudar genética e genoma de vírus, bactérias, fungos, parasitos e do ser humano, além de receber apoio da Rede de Plataformas Tecnológicas, com acesso a sequenciadores e bioinformática.

Durante a pandemia causada pelo novo coronavírus, um foco principal do grupo tem sido o estudo do genoma do Sars-CoV-2, causador da Covid-19, e o acompanhamento de suas mutações genéticas, entre outros. O grupo participa da iniciativa internacional de acesso aberto a informações sobre genomas de vírus influenza e coronavírus, a Gsaid, que produziu o infográfico das linhagens de Sars-CoV-2 circulantes no mundo. “No momento todas as nossas atenções, no caso da plataforma de genoma, estão voltadas para o coronavírus, devido à urgência da pandemia, mas a Rede atua também em outras frentes, que foi o que levou à sua criação, visando a integração dessas pesquisas”, salienta o vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas, Rodrigo Correa de Oliveira.

Presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima afirma que a Rede Genômica integrará um processo colaborativo com os sistemas de vigilância de todo o país, visando reunir os dados necessários para a identificação de novas variantes e linhagens do coronavírus. O vice-presidente Rodrigo Oliveira complementa que a Fundação será responsável pelo sequenciamento em vários estados e pela curadoria do sequenciamento, dentro de um programa bem amplo, que reúne toda a Fiocruz.

Segundo ele, quase todas as unidades da Fiocruz contam com sequenciadores e aquelas que não têm deverão passar a ter assim que for possível adquirir. Ele diz que no mundo não conhece uma organização que disponha de uma plataforma de genômica como a da Fiocruz capaz de cobrir um pais de dimensões continentais como o nosso. “O nosso diferencial é que cobrimos um território muito grande, temos uma rede totalmente integrada e também prestamos serviços externos, a universidades e outras instituições”, conta Oliveira. A Vice-Presidência de Pesquisa coordena a Rede Genômica, que reúne outras plataformas, como as de microscopia e proteômica, em um total de 13.

“A relação da Fiocruz com os Lacens sempre foi muito próxima e vai se estreitar ainda mais a partir dessa iniciativa. Teremos um programa nacional de sequenciamento, que nos permitirá identificar possíveis variantes do coronavírus. Este é um esforço do MS como um todo, a partir do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE) e da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), e incluindo a Fiocruz, o que nos trará uma grande agilidade nesse processo. Toda a rede Fiocruz de sequenciamento, como plataformas e serviços de vigilância, será utilizada”, diz Oliveira.

Para esse desafio de mapear todo o território brasileiro, a Fiocruz oferece um grande ativo e ocupa um papel central, já que tem laboratórios com capacidade de sequenciamento em diversos estados. “Com o apoio do Decit e da SVS, que tem sido amplo, vamos conseguir cumprir essa missão e fazer nosso trabalho de maneira bem detalhada”. Oliveira disse que a Fundação tem colaborado também com países da América Latina nesse campo, por meio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Sequenciamento

O projeto de sequenciamento será realizado nos estados, com envio de algumas amostras para os laboratórios, como os de Minas Gerais e Paraná. Em outros casos, como Rondônia e Ceará, espera-se conseguir os investimentos na ampliação da capacidade de sequenciamento. “O grupo que discute esse projeto fez um desenho de como isso será feito por regiões, para ser o mais representativo possível da realidade nacional, e tem como líder a pesquisadora Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)”, ressalta Oliveira, que pela Fiocruz está à frente desse projeto, junto com o coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência, Rivaldo Venâncio.

Segundo Venâncio, “a situação epidemiológica que vive o Brasil, nesta pandemia, exige de todas as instituições da Saúde um contínuo acompanhamento, para detectar possíveis novas situações que necessitem de uma rápida intervenção do poder público”. Entre essas ações, acrescenta ele, está a necessidade de ampliar o monitoramento do surgimento das variantes do Sars-CoV-2.

Uma das características dos coronavírus é a alta capacidade de produzir mutações em suas estruturas genéticas. “Em função disso, precisamos monitorar a emergência de novas variantes tentando correlacioná-las com a dinâmica epidemiológica da Covid-19. Ou seja, o surgimento e a disseminação das variantes está tendo implicação do ponto de vista da clínica? As pessoas estão tendo casos mais graves? Ou não? São as perguntas que vamos fazer. Num horizonte maior também estamos preocupados com a proteção das vacinas”.

Venâncio sublinha que esse é um projeto muito ousado. “Não são apenas respostas para este momento, mas para os próximos meses e anos. Vamos acompanhar toda e qualquer variação genômica do vírus que for detectada em qualquer lugar do país e correlacionar esse surgimento com aspectos epidemiológicos e clínicos”.

Para o coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência, “é possível antever que a pandemia possa ser superada com a ampliação da vacinação em massa, mas muito provavelmente a Covid-19 vai continuar a existir, embora numa escala menor. Temos que observar o vírus e a doença, a gravidade e o comportamento da variação genética em relação às vacinas que serão usadas. Esses estudos contribuirão de forma decisiva para gerar evidências científicas sobre a necessidade de atualizar ou não do conteúdo das vacinas nos próximos anos”.

Dados exclusivos

O vice-presidente Rodrigo Oliveira observa que a Rede Genômica Fiocruz, que começou a ser pensada em março de 2020 e foi finalmente formatada em outubro, é uma das pontas de lança desse processo na instituição. A Rede reúne cerca de 100 pesquisadores de diversas unidades da Fiocruz que trabalham com genética e genoma de vírus, bactérias, fungos e parasitos e do ser humano. A Rede vem atuando para otimizar e padronizar todo o processo de sequenciamento, estabelecendo protocolos únicos para todos os laboratórios da rede.

Com foco na situação do Brasil, a Rede Genômica Fiocruz passou a disponibilizar dados exclusivos do país no site da iniciativa. “Para o rápido progresso no entendimento da Covid-19 e suas complicações é fundamental estreitar a colaboração científica. Por meio dos dados genômicos é possível avançar em pesquisa e desenvolvimento de possíveis vacinas e medicamentos, além de manter os kits de diagnóstico sempre atualizados com os genomas circulantes e a vigilância da dispersão dos vírus sempre alerta, ainda mais em um momento em que está sendo observado o surgimento de variantes do novo coronavírus”, frisa a pesquisadora Marilda Siqueira. Ela lidera o Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que é Centro de Referência Nacional em vírus respiratórios junto ao Ministério da Saúde e referência para a Organização Mundial da Saúde em Covid-19 nas Américas.

De acordo com os dados disponíveis no site da Rede Genômica Fiocruz, já foram realizados cerca de 3,6 mil sequenciamentos do genoma do Sars-CoV-2 no Brasil, sendo São Paulo o estado com o maior número de amostras sequenciadas, com um total de 1.035, seguido por Rio de Janeiro, com 726, Amazonas, 340, Rio Grande do Sul, 306, Paraíba, 167, e Pernambuco, com 150.

Segundo a iniciativa, mais de 60 linhagens do novo coronavírus já foram identificadas no país. No entanto, os especialistas destacam o predomínio das linhagens B.1.1.33 e B.1.1.28, que apresentam circulação nacional desde março de 2020. A linhagem B.1.1.28 deu origem a duas linhagens que passaram a circular mais recentemente no país, a P.1 e a P.2, denominadas cientificamente de “variantes de preocupação”, ou variant of concern (VOC), na expressão em inglês.

Em relação ao Amazonas, que enfrenta sérios problemas em seu sistema de saúde, os dados indicam o avanço acelerado da linhagem P.1, descoberta no estado. A recente variante, derivada de uma das linhagens que predominava no país, a B.1.1.28, é responsável atualmente por mais de 91% das infecções no estado. Estudos indicam que a variante contém pelo menos três mutações (K417N, E484K e N501Y), que afetam a proteína Spike, associada à entrada do vírus nas células humanas. A P.1 também foi identificada no Pará, Roraima, Paraíba, São Paulo e Santa Catarina.

“Com o objetivo de detectar a circulação desta linhagem entre a população do Amazonas e outros estados, estamos recebendo de 30 a 40 amostras positivas de diferentes localidades para realizarmos o sequenciamento e entendermos a possível dispersão dessa e de outras cepas”, explica o virologista Fernando Motta, pesquisador do de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC/Fiocruz. “Estão sendo conduzidos estudos com amostras isoladas das diferentes linhagens a fim de identificar como as mutações recém descritas podem afetar ou não a reposta induzida pelas vacinas em uso”, completa Motta.