Foto: David Leo Veksler/Wikimedia Commons

Desmame precoce pode causar complicações gástricas futuras

Pesquisas feitas em ratos indicam que deixar de amamentar mais cedo do que o recomendado aumenta as chances de desenvolvimento de problemas gástricos.

Estudo feito em animais revela que deixar de amamentar mais cedo que o indicado pode acarretar mudanças permanentes no estômago.

Cientistas do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP descobriram que o desmame precoce pode causar predisposição a doenças gástricas, de acordo com testes realizados em animais. A pesquisa foi coordenada pela professora Patrícia Gama, do Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento, que trabalha com efeitos do desmame precoce no estômago e intestino há 31 anos.

Foram comparados dois grupos de ratos, um que mamou normalmente e outro que teve o leite materno substituído por outro tipo de alimento aos 15 dias de vida – o que equivale a menos de quatro meses em humanos. Os pesquisadores analisaram as células dos estômagos dos animais – as que produzem muco para proteger a superfície do estômago, as que produzem ácido e as responsáveis pela produção de pepsina, uma enzima importante para a digestão de proteínas.

Normalmente, o desmame ocorre entre o 18º e 22º dia de vida do animal, quando os genes que regulam a diferenciação das células do estômago têm a expressão aumentada. “É o corpo preparando todos os seus genes para um organismo que passará a ter uma alimentação normal”, explica Patrícia. No entanto, no caso do grupo de desmame precoce, a expressão de um dos genes – ATP4B, que induz a produção do ácido no estômago – continuou alta mesmo nos adultos. “Observamos também o produto desse gene: no 18º dia, a proteína também aumentou, mas no 60º dia isso não acontece mais. Ou seja, já existe algum mecanismo entre o gene e a proteína que faz com que a proteína se module.”

A expressão aumentada deste gene na vida adulta pode fazer com que o animal produza mais ácido que o normal em situações de estresse ou durante um quadro infeccioso no estômago. Isso poderia levar a ulcerações, o que já foi documentado em estudos antigos usados como referência no artigo. “Nós trabalhamos com esse modelo há muito tempo e nunca encontramos ulcerações. No entanto, em termos de ambiente, se esse animal for exposto a estresse ou a uma infecção como pela bactéria H. pylori, principal causadora das úlceras, é possível que ele desenvolva uma resposta exacerbada”, diz a pesquisadora.

Riscos de doenças gástricas
Outra mudança foi encontrada no gene relacionado à produção de muco. Nos animais adultos que começaram a se alimentar mais cedo, a produção deste gene ficou menor do que o normal, o que pode significar uma menor proteção da parede do estômago. Também houve uma alteração no número de células produtoras de pepsina, as quais ficam em número maior desde a fase de filhote até a vida adulta. “O grande problema dessas células é que, em uma situação de lesão, elas podem dar origem a uma metaplasia, ou seja, um tumor. A nossa hipótese é que os animais que passaram pelo desmame precoce sejam mais suscetíveis a esse quadro.”

Para aprofundar essas descobertas, o próximo passo será analisar como os modelos animais desmamados precocemente respondem a um estímulo, a uma lesão na mucosa gástrica. “Também pretendemos correlacionar os dados epidemiológicos e buscar um marcador para detectar nas crianças e nos adultos que tipo de mudança eles podem ter no trato gastrointestinal por conta do desmame precoce.”

A pesquisadora Patrícia Gama chama atenção para a questão da amamentação e lembra que seis meses é o tempo mínimo recomendado de alimentação com leite materno ou fórmula, podendo se estender até os dois anos de idade. “A discussão é muito voltada para a função imunológica, mas na verdade o leite é a fonte de todas as moléculas que o bebê precisa para crescer bem e desempenhar várias outras funções do organismo.”

Mais informações: e-mail angela@academica.jor.br, (11) 99912-8331, com Ângela Trabbold