Pesquisadores de todo o mundo buscam um medicamento eficaz para a Covid-19

A pandemia do novo coronavírus levou o mundo a centrar suas atenções na ciência. No Brasil, não foi diferente. Após ter sido duramente afetada por redução de recursos ao longo dos últimos anos, a pesquisa científica é agora apontada como o principal caminho de combater a Covid-19, que ainda não tem tratamento. Pesquisadores do mundo inteiro, em redes de colaboração, correm contra o tempo para testar medicamentos existentes e novos protocolos para tratar a doença, além de uma vacina que possa proteger a população mundial no futuro.

Os primeiros quadros respiratórios graves provocados pelo coronavírus foram comunicados às autoridades internacionais na segunda quinzena de dezembro de 2019. Sessenta dias depois, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarava a pandemia, que já superou 1,5 milhão de casos e quase 80 mil mortes em 205 países e territórios. Até agora, o vírus superagressivo vem sendo tratado a partir dos protocolos sintomáticos, ou seja, com medicamentos que tratam os principais sintomas da doença, como tosse, coriza e falta de ar. O problema é que a evolução da Covid-19 é muito rápida e em cerca de cinco dias o paciente pode apresentar caso grave de pneumonia. Sem preconceito e distinção entre nações ricas e pobres, o SARS/CoV-2 vem mostrando a fragilidade dos sistemas de saúde e afirmando o papel fundamental da ciência para conter a pandemia.

No Brasil, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está coordenando o ensaio clínico Solidariedade (Solidarity), um esforço global da OMS para avaliar e dar uma resposta rápida sobre a eficácia de quatro tratamentos para a Covid-19. Com apoio do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, a experiência está sendo implementada em 18 hospitais de 12 estados brasileiros e deverá abranger 1.200 pacientes. No Rio de Janeiro, fazem parte do ensaio os hospitais Antonio Pedro (Huap/UFF), Servidores do Estado, Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ), Gaffrée e Guinle (HUGG/UniRio), Pedro Ernesto (Hupe/Uerj) e o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz).

O ensaio clínico vem considerando quatro linhas de tratamento, que incluem testes com a cloroquina ou a hidroxicloroquina, usadas para tratar malária e doenças autoimunes; um antiviral já experimentado contra o ebola; a combinação de dois antivirais utilizados no tratamento de HIV; e a combinação desses dois antivirais mais um imunossupressor, que também tem ação antiviral. Uma das premissas é que a terapêutica seja adaptável, ou seja, caso surjam novas evidências as linhas podem ser adequadas, com descontinuação de drogas que se mostrem ineficazes e incorporação de medicamentos que venham a se mostrar promissores. A pesquisa incluirá somente pacientes hospitalizados, para atender à demanda mais urgente, que é a de oferecer tratamento para os quadros mais graves.

A busca por tratamento em diferentes pesquisas

Como resultado das pesquisas, na segunda-feira, 6 de abril, a Fiocruz anunciou que o medicamento Atazanavir, utilizado no tratamento do HIV, foi capaz de inibir in vitro a replicação viral, além de reduzir a produção de proteínas relacionadas ao processo inflamatório nos pulmões, reduzindo o agravamento da doença. O estudo foi publicado na plataforma internacional BiorXiv, em formato de pré-print, seguindo a tendência do estudo e do reposicionamento de medicamentos no enfrentamento da emergência sanitária. Thiago Moreno, pesquisador que liderou a iniciativa, acredita que a análise de fármacos já aprovados para outros usos é a estratégia mais rápida da ciência para ajudar no combate à Covid-19, juntamente com a recomendação de distanciamento social. O pesquisador alerta, no entanto, sobre os enormes riscos da automedicação, pois cada paciente deve ser assistido por seu médico, que deverá acompanhar o tratamento, especialmente no caso de novas doenças e remédios reposicionados. A pesquisa, coordenada pelo Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), contou com recursos da Fiocruz, da FAPERJ e da Capes (MEC).

A diretora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Valdiléa Veloso, acredita que estudos com número limitado de pacientes e sem o adequado controle, como são a maioria dos estudos registrados até agora, podem demorar ou nem chegar a obter uma resposta. Segundo ela, para ampliar o trabalho e agregar o maior número possível de pacientes, o Ministério da Saúde solicitou a inclusão de centros de pesquisa em todas as regiões do País na pesquisa.

Sobre a polêmica envolvendo o uso da cloroquina, o médico imunologista Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro, coordenador do Centro de Pesquisa Diagnóstico e Treinamento em Malária da Fiocruz no Instituto Oswaldo Cruz, lembra que uma droga potencialmente terapêutica funcionar in vitro (no laboratório) é bem diferente da ação in vivo (em animais, incluindo humanos). De acordo com o imunologista, a comunidade médica e científica tem muita experiência com a utilização da cloroquina, sintetizada pela primeira vez em 1937. “Desde então, devemos ter utilizado centenas de milhões de doses de cloroquina em todo o mundo para tratar e prevenir a malária”, afirma o pesquisador. No entanto, ele explica que a resistência adquirida pelo principal parasita transmissor da doença, o Plasmodium falciparum, fez com que a cloroquina deixasse de ser utilizada no tratamento da malária desde os anos de 1990 na África, Ásia e América do Sul para o tratamento da forma mais grave e comum da malária. Ela segue sendo usada para tratamento da malária mais prevalente (~90%) no Brasil e na América do Sul, causada pelo P. vivax. Sobre a hidroxicloroquina, sintetizada em 1946, ele explica que ela é atualmente usada no tratamento de doenças autoimunes como lúpus e artrite reumatoide.

O pesquisador alerta que um dos principais perigos da cloroquina é que a droga se acumula nos tecidos e pode afetar numerosos sistemas e órgãos, como o aparelho cardiovascular, a retina e o fígado. Membro da Academia Nacional de Medicina, Cláudio Ribeiro teme que a dose utilizada experimentalmente para tratar a Covid-19, cerca de oito vezes maior que a recomendada para o tratamento de artrites, e por um prazo considerado longo (até 10 dias), possa ser altamente tóxica.  Por isso, faz coro com pesquisadores que defendem uma grande mobilização científica dedicada a estudos que resultem em evidências robustas. No entanto, o médico se emociona quando se solidariza com os colegas que, na linha de frente dos hospitais, diante da possibilidade do óbito de um paciente, por desespero ou compaixão, e na extrema excepcionalidade do momento, querem testar a cloroquina como último recurso para salvar vidas. Ele avalia, entretanto, que é papel da ciência fornecer uma resposta que endosse ou não o uso da CQ para a Covid-19 no menor prazo de tempo possível, transformando o dilema compassivo em um uma questão racional e embasada em evidências científicas.

Outra possível estratégia para o combate do novo coronavírus anunciada esta semana pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro é o uso de plasma de pacientes curados para tratamento de doentes graves. O plasma é a parte do sangue onde se encontram os anticorpos produzidos pelo organismo para combater o vírus. Retirado de pacientes recuperados, contém anticorpos e pode ser aplicado em pacientes com quadro grave da Covid-19, promovendo uma recuperação mais rápida e reduzindo o risco de mortalidade e o tempo de internação. Esta técnica, denominada transferência passiva de imunidade, foi usada durante as epidemias de Ebola e H1N1. O diretor do Hemorio, Luiz Amorim, disse que cada bolsa de plasma coletado pode fornecer tratamento para até três pessoas. O plasma doado pelos pacientes curados ficará no Hemorio à disposição dos hospitais que tratam casos graves de Covid-19. Com o aval da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), os hospitais iniciaram esta semana a triagem de possíveis doadores de plasma. Outro protocolo experimental em que a pesquisa tem apostado é o tratamento de casos graves de Covid-19 com anticoagulante. O Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, vem realizando testes com o medicamento heparina e a técnica deve ser avaliada pela Conep em breve. Utilizado por cientistas chineses, o anticoagulante pode ajudar no caso de complicações da doença que levem a um quadro de coagulação intravascular.

A Fiocruz também foi convidada a participar da Coalizão de Pesquisa Clínica de Covid-19, formada por um grupo internacional que reúne mais de 70 cientistas e instituições de 30 países de média e baixa renda. O objetivo desta iniciativa é acelerar a pesquisa em áreas nas quais o vírus pode afetar sistemas de saúde frágeis e causar maior impacto à saúde de populações vulneráveis. O objetivo da coalizão é compartilhar dados e acesso equitativo a medicamentos, tratamentos e vacinas. “Estes são os mesmos valores que guiam a Fiocruz, com uma visão de ciência aberta e saúde pública”, destacou a presidente da Fundação, Nísia Trindade Lima. A coalizão pretende que os conhecimentos técnicos e capacidades geradas a partir dos ensaios clínicos sejam compartilhados com os todos os participantes, favorecendo o estabelecimento de parcerias e compartilhamento de estudos com outros países. Para os participantes do movimento, é necessário incluir a experiência e necessidades de países latino-americanos, africanos, do leste europeu e alguns países asiáticos a fim de acelerar a pesquisa adaptada para configurações com recursos limitados.

Uma equipe de pesquisadores do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), no Rio de Janeiro, em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), se dedica à produção de nanofármacos com atividades antivirais. Esses medicamentos, produzidos em escala nanométrica, possuem propriedades físicas, químicas e biológicas especiais que poderão ser novos candidatos ao combate do SARS/CoV-2. O pesquisador do IEN e vice-coordenador do programa Redes de Pesquisa em Nanotecnologia no Estado do Rio de Janeiro, que recebe apoio da FAPERJ para suas pesquisas, Ralph Santos-Oliveira, explica que estão em estudo fármacos para tratamento da Covid-19 em diferentes fases da doença, tanto da aguda, mais letal, quanto da inicial, cujo tratamento ajuda a reduzir a carga viral e a consequente disseminação do vírus. “Usamos a plataforma nanotecnológica porque é mais eficaz, direcionada e, principalmente, tem menos efeitos adversos, entre eles as disfunções hepáticas, por exemplo” afirma o pesquisador.

Santos-Oliveira explica que, com a nanotecnologia, é possível chegar a partículas bem pequenas dos medicamentos para facilitar a absorção pelo pulmão. No caso da cloroquina, por exemplo, sua forma nanoestruturada pode representar maior eficácia e rendimento, com expressiva redução dos efeitos colaterais. Mas, para testar as diversas cepas de vírus, explica o pesquisador, é necessária uma estrutura laboratorial de nível de biossegurança 3 (NB3), daí a parceria com a Unifesp. Na opinião do radiofarmacêutico, diante de uma doença que não possui tratamento conhecido, todos os tipos de testes são válidos, desde que seguindo todos os protocolos. Ele considera que a maior conquista da ciência brasileira é o movimento nacional na busca pelo combate à Covid-19, que congregou todas as instituições de pesquisa e conta com a boa vontade dos órgãos de fiscalização e controle.