Brasil deve quebrar patentes de remédios anti-Aids

A quebra das patentes de medicamentos contra o vírus da Aids que ainda não podem ser fabricados no Brasil é fundamental para o controle da doença no país, segundo o infectologista Caio Rosenthal, 56, que atende soropositivos em hospitais públicos e privados de São Paulo, como o Instituto Emílio Ribas –referência no tratamento contra a Aids– e o Hospital Israelita Albert Einstein.

31.jul.96/Folha Imagem
O infectologista Caio Rosenthal, 56

Segundo o infectologista, os remédios contra o vírus HIV são vendidos pelas grandes indústrias farmacêuticas a preços cada vez mais altos, e, por isso, o Brasil precisa "tomar uma postura rígida de negociação e enfrentar os grandes laboratórios da indústria farmacêutica internacional, que não cedem nos preços dos medicamentos".

Nesse sentido, segundo o médico, é fundamental a quebra das patentes dos remédios que ainda não são produzidos no país. "É preciso quebrar as patentes de todos os medicamentos, para que o governo brasileiro possa produzi-los e deixe de depender da indústria farmacêutica multinacional."

Rosenthal explica que no Brasil existe um número crescente de pessoas infectadas pelo HIV, que cria uma demanda cada vez maior de medicamentos distribuídos gratuitamente. "Em 2004, o Brasil reverteu R$ 595 milhões para a compra de medicamentos contra o vírus da Aids de indústrias multinacionais. Em 2005, o número saltou para R$ 1 bilhão", diz.

Dos medicamentos utilizados no tratamento da Aids, apenas quatro deles– kaletra, efavirens, tenofovir e atazanavir– ainda não são fabricados no Brasil, e consomem 75% do orçamento reservado à compra de remédios.

"O tenofovir, por exemplo, que é o medicamento pelo qual o Brasil paga mais caro à indústria farmacêutica, foi descoberto em 1985, e, de lá para cá vem sendo produzido pelo laboratório Gilead, dos Estados Unidos, e vendido a preços abusivos", afirma.

Relatório

De acordo com dados do relatório anual da Unaids [programa que reúne várias agências da ONU, governos e ONGs que trabalham no combate à epidemia de aids], 40,3 milhões de pessoas estão contaminadas pelo vírus HIV em todo o mundo. No Brasil, estima-se em 600 mil o número de pessoas contaminadas.

Rosenthal afirma, no entanto, que o número de casos brasileiros pode ser ainda maior. "No Brasil, os casos ocorridos entre a população pobre, que mora em favelas, em locais onde há pouco acesso, ou até mesmo nas ruas, não são computados pelas autoridades sanitárias", diz. "Por isso, acredito que haja um número um pouco maior de casos".

Segundo o relatório de 2005 da Unaids, o número de casos da doença tem aumentado nos países da antiga União Soviética, da região da África Subsaariana, no Caribe, e também no Brasil.

"Há uma particularidade em todos esses países, que é o aumento do número de casos entre as classes sociais mais baixas", diz Rosenthal.

Pobreza

De acordo com o especialista, a constatação não é surpresa. "O mesmo ocorre nos EUA e em outros países de Primeiro Mundo, onde também existem faixas da população que são discriminadas socialmente, que têm baixo nível de informação. Isso acontece em todos os locais do mundo, e essas pessoas ficam mais vulneráveis à infecção pelo vírus do HIV."

O relatório deste ano da Unaids aponta que, no Brasil, a parcela da população mais atingida pelo vírus HIV são as mulheres negras e pobres.

"Nos outros países, os novos casos acontecem de acordo com características regionais específicas. Nos EUA e nos países do Leste Europeu, por exemplo, a tendência é a diminuição dos novos casos", diz o médico infectologista.

Segundo Rosenthal, a Aids vem se transformando em uma doença de grande ocorrência em classes sociais mais baixas. "Isso já era esperado, como aconteceu com outras doenças, como o tifo e a meningite", diz. "O vírus vem se disseminando em locais onde há densidade populacional, pouca informação, baixo nível cultural e pouco poder aquisitivo."

Saúde pública

No que diz respeito às políticas de saúde pública, Rosenthal afirma que o Brasil está em vantagem em relação a muitos outros países. "O Brasil dá assistência suficiente a todas as pessoas que têm HIV, tanto para as que são sintomáticas quanto para as assintomáticas", diz o médico.

O médico diz que, para as pessoas sintomáticas, há muitos hospitais especializados. "Nesta área, o Brasil pode competir com qualquer país de Primeiro Mundo", afirma. Segundo ele, o país também oferece amplo tratamento às pessoas portadoras do HIV que ainda não desenvolveram a doença, e é pioneiro no acesso à medicação. "Todos no Brasil tem direito ao acesso ao tratamento, e isso é algo que acontece na prática".

Rosenthal afirma também que se a infecção for descoberta rapidamente já é possível viver bem com o vírus HIV por um longo período de tempo. "Uma vez que a doença for descoberta em tempo hábil para se iniciar um tratamento, a pessoa pode viver décadas, e com qualidade de vida razoável".

Para ele o mais importante de tudo é a prevenção: uma vez contaminada, a pessoa deve procurar os serviços de saúde, iniciar um tratamento adequado, tomar os remédios da forma correta e contar com um bom acompanhamento médico.

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