“As iniquidades são desigualdades evitáveis. Portanto, qualquer política que aumente a desigualdade é considerada injusta, pois poderia ter sido evitada”, disse o diretor do International Institute for Society and Health, de Londres, Michael Marmot, na Conferência Fair Society: health lives, realizada no VIII Congresso Brasileiro de Epidemiologia, em São Paulo. Em outra mesa-redonda, o tema dos Determinantes Sociais da Saúde e suas perspectivas foi abordado pelo coordenador do Centro de Estudos, Política e Informação sobre os Determinantes Sociais da Saúde (Cepi-DSS/ENSP/Fiocruz), Alberto Pellegrini. Segundo ele, a maior contribuição da Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, realizada em outubro no Rio de Janeiro, foi a construção de documentos norteadores, como a Declaração Política do Rio sobre os Determinantes Sociais da Saúde, que busca combater as iniquidades em saúde, com foco em ações baseadas nos DSS.
“Cada palavra escrita no documento, conhecido como Carta do Rio, foi uma decisão compartilhada. Ela não é somente a declaração da conferência, mas sim um compromisso dos 130 países que assinaram o documento”, apontou Pellegrini.
Pellegrini comentou que foi unânime a opinião dos países sobre a atual crise. Todos eles a reconhecem como uma oportunidade. Ele afirmou ainda que a determinação dos países em combater as iniquidades em saúde está entre os principais pontos da Declaração. No entanto, por não ser uma resolução, explicou o coordenador do Cepi-DSS/ENSP, “mesmo os países tendo assinado o documento, eles não são obrigados a cumprir com o acordado. Por isso é tão importante que a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheça a Declaração do Rio como resolução. Isso deverá ser proposto pelo Conselho da Assembleia Mundial da OMS e ratificado pelos países signatários durante a 65ª Assembleia, que será realizada em maio de 2012.
Além da Carta do Rio, foram elaborados o Marco Conceitual, o Relatório da Sociedade Civil, o Relatório Final de Recomendações e os relatórios das redes de conhecimento. Uma lacuna muito relevante na Declaração é a ausência de menção ao fortalecimento de instituições democráticas. “Não há possibilidade de participação social autêntica sem a garantia da liberdade de expressão. Isso é base fundamental para os DSS e suas ações. Também não há menção aos Determinantes Sociais Globais e ações correspondentes; ausência de ações e metas específicas e mecanismos de prestação de contas; e ainda ausência de definição de grupos vulneráveis”, lamentou Pellegrini.
Sobre o tema central, Pellegrini comentou que ainda não avançaram tanto quanto gostariam. “Não há tanta novidade”, disse ele. Porém, uma das mais importantes questões sobre DSS hoje é o simples fato de eles estarem em um lugar de destaque na agenda global de saúde. “O documento técnico precisa ser a plataforma sobre a qual devemos nos basear para avançar. E esta é a hora. Precisamos aproveitar o momento político global que estamos vivendo. Em nível macro, global, temos a Resolução da Assembleia Mundial da Saúde (AMS), a reforma da OMS e a reorientação da cooperação técnica. Já em nível intermediário, de regiões, temos o fortalecimento da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e também do Mercado Comum do Sul (Mercosul). No nível nacional, precisamos resgatar as recomendações da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) e promover definições de estratégias para o desenvolvimento social”, concluiu Pellegrini.
Para especialista, a pobreza não deve ser pensada apenas como falta de renda
Na opinião do diretor do International Institute for Society and Health, Michael Marmot, é preciso tirar o foco das ações nas pessoas mais pobres. Segundo ele, pobreza não deve ser pensada apenas como falta de renda. “As ações precisam abranger toda a sociedade, pois existem diferenças marcantes entre grau de ensino, escolaridade e renda. Além disso, as questões sociais superam as questões biológicas quando falamos sobre os Determinantes Sociais de Saúde”, alertou o especialista, que também é o professor de Epidemiologia e Saúde Pública da University College.
Marmot apresentou pesquisas realizadas em diferentes países do mundo e também dados de comparações entre cidades e até entre bairros. “A Islândia, por exemplo, tem expectativa de vida de 80 anos; o Brasil está na faixa dos 70 anos; e, em Serra Leoa, a expectativa é de apenas 40 anos de vida. Essas diferenças são assustadoras. E o pior é que as iniquidades dentro dos países podem ser tão grandes quanto as iniquidades entre os países. Na Índia, a expectativa de vida melhorou de 50 para 65 anos em um intervalo de 30 anos. Analisando os dados, acreditamos que este é um ganho incrível. Porém, quando este dado é comparado com o Japão, onde a expectativa de vida chega a 83 anos de idade, constatamos que ainda há uma grande lacuna e muito a ser feito”, analisou Marmot.
Segundo Marmot, quando se fala em Determinantes Sociais de Saúde (DSS), é preciso pensar em mudança cultural, nutricional, climática, entre outras. Ele ressaltou estudos que mostram que vai haver uma epidemia de diabetes no mundo, a reboque da atual epidemia da obesidade. No México, por exemplo, 70% das mulheres têm o Índice de Massa Corporal (IMC) acima do recomendável. Outro ponto determinante de justiça social citado por Marmot é o empoderamento, pois age no nível vital do ser humano, principalmente entre os jovens. “Justiça social é o que nos motiva, e o empoderamento é considerado material político e social essencial para seu alcance.
A revisão A world where social justice is taken seriously: Closing the gap in a generation foi realizada em diversos países e regiões. A revisão sobre a Europa também foi feita e será publicada em 2012. “Sobre a revisão da Inglaterra, questionaram-me como aplicar e reverter esses achados. A questão é que nenhum país vai levar os dados em consideração se você não abordar a economia. Não podemos apenas fazer intervenções a curto prazo de baixo custo e alta eficiência. Procuramos fazer o que é certo e buscamos sempre as desigualdades evitáveis. Precisamos defender o caso moral para conseguir defender o caso econômico.”
O pesquisador falou que entre as recomendações da revisão da Inglaterra está a necessidade de educação para as crianças. Normalmente, os pais que mais leem para os seus filhos são os de classe social mais elevada. “Sou otimista em relação às minhas evidências, e educação e escolaridade são as bases delas, pois as questões sociais superam as biológicas quando falamos sobre os Determinantes Sociais de Saúde. Isso mostra a importância do ambiente social desde o início da vida”, disse ele. Em relação à violência doméstica, Marmot citou que em Mali, na África, a violência contra mulheres é justificável. Ele afirmou que mulheres com maior grau de escolaridade não aceitam justificativas para esta violência. Portanto, ele afirmou ser necessário elevar o grau de escolaridade das mulheres para que isso não seja aceito. Ele completou dizendo que justiça é muito mais que alimentação, abrigo e renda. “Justiça é ter vida digna”, disse Marmot, aplaudido pela plateia que o assistia.
Ele encerrou dizendo que, entre outras coisas, falta à Declaração do Rio – documento final da Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde (CMDSS) – um norte sobre a questão da desigualdade na distribuição de renda. “Não temos um sistema progressivo de tributação, por isso os países mais pobre sempre pagam mais tributos que os mais ricos.”