"A regionalização é fundamental para obtenção de maiores avanços na implantação do sistema público de saúde", afirmou a diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde (Decit/MS), Ana Luiza d’Ávila Viana, no Centro de Estudos da ENSP realizado na quarta-feira (5/10). Na ocasião, foram apresentados os resultados da pesquisa Avaliação Nacional das Comissões Intergestores Bipartites (CIB): CIB e os modelos de indução da regionalização no SUS, que deu origem ao livro Regionalização e relações federativas na política de saúde do Brasil, organizado pela pesquisadora Luciana Dias de Lima (Daps/ENSP) e pela diretora do Decit. A atividade contou ainda com a presença da coordenadora geral de Cooperação Interfederativa da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, Isabel Maria Vilas Boas Senra, como debatedora.
Dando início ao Centro de Estudos, Ana Luiza d’Ávila Viana abordou as diferenças entre regionalização e descentralização no Brasil. De acordo com ela, ambas são diretrizes presentes em várias experiências de reordenamento do sistema de saúde nos municípios e estados brasileiros. Entretanto, somente na Constituição Federal de 1988 que, de modo complementar, assumem papel estratégico na configuração político-territorial do Sistema Nacional de Saúde (SUS), com o objetivo de expandir o acesso às ações e serviços de saúde (universalidade e integralidade), atender às necessidades loco-regionais, ampliar a participação social e melhorar a eficiência na gestão dos recursos.
Segundo a diretora do Decit, os resultados do modelo de descentralização implantado no SUS apontam que, embora avanços possam ser observados, permanecem problemas relativos à iniquidade, à intensa fragmentação e à desorganização de serviços de saúde por causa de milhares de "sistemas locais isolados" existentes. Ana Luiza apontou também o início de um novo ciclo formado após o Pacto pela Saúde, destacando a regionalização, a negociação e a pactuação intergovernamental nos processos de organização político-territorial do SUS, a atualização dos instrumentos de planejamento da Norma Operacional de Assistência à Saúde (Noas) e a ampliação da visão da regionalização para além da assistência à saúde, a incorporação da diversidade territorial, com ênfase na condução e adaptação estadual nos processos de descentralização e regionalização do SUS, a valorização das esferas estaduais e municipais e a criação de novas instâncias de coordenação federativa nos estados – Colegiados de Gestão Regional (CGR).
Ana Luiza explicou que a importância adquirida pelas instâncias estaduais no contexto do Pacto pela Saúde, associada à diversidade territorial do Brasil, sugeriu algumas questões de investigação, como, por exemplo, quais fatores condicionantes da regionalização em curso nos estados explicam a diversidade de situações encontradas, entre muitas outras questões. Em seguida, a organizadora do livro Regionalização e relações federativas na política de saúde do Brasil ressaltou que o principal objetivo da pesquisa foi analisar os processos de regionalização da saúde nos estados brasileiros, com ênfase nos condicionantes e nas mudanças introduzidas nos sistemas de saúde, além de identificar a dinâmica de funcionamento das Comissões Intergestores Bipartites (CIBs) e seu papel nos processos de regionalização nos estados.
"Regionalização é um processo que envolve distribuição de poder e o estabelecimento de um sistema de inter-relações entre diferentes atores sociais (governos, organizações públicas e privadas, cidadãos) no espaço geográfico; criação de estratégias e instrumentos de planejamento, integração, coordenação, regulação e financiamento de uma rede de ações e serviços de saúde no território; incorporação de elementos e diferenciação e diversidade socioespacial na formulação e implementação de políticas de saúde e a integração de diversos campos da atenção à saúde; e a articulação de políticas econômicas e sociais voltadas para o desenvolvimento e redução das desigualdades territoriais", explicou a diretora do Decit.
Apontando os resultados da pesquisa, a diretora abordou o contexto nacional – institucionalidade da política social. Ana afirmou que a institucionalidade influencia e é influenciada por contextos específicos em um processo dinâmico. Segundo ela, a institucionalidade da política social é dividida em três categorias: liberal, transição e não desenvolvimentista, em que cada uma delas compreende um período, uma política social e uma política de saúde. Ana apresentou também os resultados com relação à tipologia das regiões de saúde (CGR), o perfil socioeconômico e as características da rede de serviços de saúde.
Foram analisados 397 CGRs constituídos até janeiro de 2010, que agregam 5.071 municípios e 173 milhões de habitantes (não foram incluídos os estados do AC, AM, RR, MA e parte do PI). "Foram levadas em consideração as características socioeconômicas, as características de saúde da população, a complexidade do sistema de saúde, a produção ambulatorial e a capacidade instalada. Criaram-se cinco grupos socioeconômicos e três com o perfil do prestador do SUS. Ao todo, foram criadas 15 tipologias de Colegiados de Gestão Regional", concluiu Ana.
Distribuição de Colegiados de Gestão Regional
Para falar sobre a distribuição dos CGRs, a pesquisadora do Daps/ENSP e organizadora do livro, Luciana Dias de Lima, mostrou o mapa de distribuição no país. No mapa, foi apontado o perfil do prestador do SUS, levando em consideração o que é predominantemente público, privado e a situação intermediária. A base de indicadores do CGRs pode ser acessada em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/descentralizacao/cibs/index.php. Luciana abordou os resultados da pesquisa englobando o contexto, a direcionalidade e as características do processo de regionalização. Nesse contexto, foi analisado o histórico-estrutural, político-institucional e conjuntural. No que diz respeito à direcionalidade, foram analisados orientações, objetos, atores, estratégias e instrumentos. A institucionalidade, governança e os impactos e inovações institucionais foram analisados no âmbito do processo.
Por fim, Luciana ressaltou que a regionalização em saúde nos estados brasileiros evidencia mudanças importantes no exercício de poder no interior da política de saúde, como a introdução de novos atores, objetos, regras e processo; relevância das Secretarias de Estado de Saúde (SES) na condução da regionalização, revalorização e fortalecimento das suas instâncias de representação regional; criação de novas instâncias de pactuação e coordenação federativa no plano regional (CGR) com incorporação de municípios; maior comprometimento dos municípios pólo e dos representantes regionais das SES; revisão das formas de organização e representatividade dos Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems) e das CIBs; e revisão dos acordos intergovernamentais estabelecidos no processo de descentralização.
Com relação aos resultados, Luciana afirmou que "sugerem ganhos de institucionalidade em contextos histórico-estruturais e político-institucionais desfavoráveis. Entretanto, tais dificuldades comprometem maiores avanços e a sustentabilidade da política desenvolvida em muitas regiões". A pesquisadora apontou ainda para a grande necessidade de fortalecimento do enfoque territorial no planejamento governamental, de modo a integrar os investimentos (federais, estaduais e municipais) na atenção à saúde, as ações de fomento ao complexo industrial da saúde e a política de ciência e tecnologia no SUS, além da necessidade de promover um enfoque mais integrado das políticas sociais e econômicas e de articulação dos diversos campos da atenção à saúde no território.
"Há necessidade de atualização e criação de novas estratégias e instrumentos de indução e coordenação nacional e estadual da regionalização que envolvem as estruturas de negociação e pactuação federativa em âmbito nacional e estadual previamente constituídas, a criação de novos mecanismos de apoio aos processos, o modelo de financiamento do SUS, a construção de abordagens diferenciadas segundo os estágios e modelos de regionalização identificados nos estados, além do fortalecimento do planejamento e da regulação nas diferentes esferas de governo e no âmbito regional. Por fim, a debatedora do Centro de Estudos, Isabel Maria Vilas Boas Senra, destacou que cabe a cada um pensar como, mobilizados pelos resultados da pesquisa, podemos contribuir com os avanços necessários ao SUS. A coordenadora geral de Cooperação Interfederativa da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde afirmou ainda que é fundamental aproximar a academia da gestão, estreitando os laços para a melhoria do sistema de saúde brasileiro.