Uma reflexão menos cuidadosa pode induzir à falsa impressão de que a epidemia de HIV/Aids está sob controle a ponto de não chamar mais a atenção dos países como outrora. Entretanto, se o objetivo de acesso ao tratamento a 15 milhões de pessoas soropositivas até 2015 foi plenamente alcançado, novas metas se impõem. “O novo desafio é o chamado ‘90-90-90’, que inclui 90% das pessoas vivendo com HIV conhecedoras do seu estado; 90% de todas as pessoas com diagnóstico de infecção pelo HIV recebendo terapia antirretroviral; e 90% de todas as pessoas que recebem terapia antirretroviral atingindo a supressão viral”, afirmam Nair Teles, Jairo Jacques da Matta e Wanda Espírito Santo, pesquisadores do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e organizadores do livro Políticas de Controle do HIV/Aids no Brasil e em Moçambique, lançamento da Editora Fiocruz.
Apesar dos avanços no enfrentamento do HIV/Aids, as disparidades entre as regiões permanecem significativas. A África subsaariana registrou conquistas importantes nos últimos anos, como aumento de cobertura com a introdução da terapia antirretroviral, redução do número de novas infecções e diminuição da mortalidade por HIV/Aids. Contudo, “o continente do qual Moçambique faz parte continua sendo a área mais afetada pelo HIV, pois aí residem mais de dois terços das pessoas vivendo com a doença”, dizem os organizadores do livro. Moçambique é o terceiro país com maior taxa de soroprevalência estimada entre a população adulta, atrás apenas de Lesoto e Suazilândia.
Destaca-se que o enfrentamento do HIV/Aids compõe os planos de combate à miséria do governo moçambicano, “pois os altos níveis de soroprevalência estão presentes em áreas onde a pobreza também apresenta elevados índices”. Além disso, as políticas de saúde precisam considerar as questões étnicas e tribais, com suas respectivas expressões culturais e religiosas, que constituem importantes elementos no cotidiano dos indivíduos. “Sobretudo no que diz respeito aos temas relacionados ao HIV/Aids, que remetem a valores e comportamentos conjugais e sexuais, ensejando práticas sociais referentes a mitos e tabus que envolvem questões ligadas a gênero, relações intergeracionais e de trabalho”, assinalam os organizadores.
Quanto às iniciativas brasileiras voltadas para a redução do HIV/Aids, elas são positivamente reconhecidas em âmbito mundial, contando com a participação do Estado, da sociedade civil e da comunidade científica. O país, por exemplo, disponibiliza a terapia antirretroviral para todos os pacientes assim que a doença é diagnosticada. No entanto, “o índice de novos infectados no Brasil subiu 6% entre 2005 e 2014, tendência contrária a verificada na maioria dos países”, alertam os organizadores.
Na passagem do século 20 para o 21, a epidemia de HIV/Aids no país começou a adquirir diferentes contornos, expandindo-se nas regiões Norte e Nordeste; em indivíduos acima de 50 anos, notadamente heterossexuais masculinos; entre jovens de 15 a 24 anos; e também entre mulheres, atingindo, em particular, aquelas em situação de pobreza. Em 2014, o Brasil foi responsável por 43% do número de pessoas vivendo com HIV e por quase 40% das mortes relacionadas à Aids no continente latino-americano.
Políticas de Controle do HIV/Aids no Brasil e em Moçambique descortina os distintos contextos e experiências dos dois países, mas apresenta também as relações entre eles, que não são de agora. A Fiocruz tem um escritório regional em Moçambique, além de diversas parcerias com instituições do país africano. E o livro publicado pela Editora Fiocruz é mais um dos frutos dentro desse processo de colaboração mais amplo. A obra é resultado de uma das várias atividades previstas no âmbito de uma cooperação técnica entre a Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane, de Moçambique, e a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz).
Assinada por docentes de ambas as instituições, a coletânea aborda temáticas variadas consideradas relevantes pelas respectivas nações. Entre essas temáticas destacam-se as relações sociais e comunitárias, a participação social e as características dos sistemas e das políticas de saúde inerentes a Brasil e Moçambique. Os capítulos “proporcionam um panorama daquilo que em ambos os países é hoje prioritário e que, em certa medida, dialogam entre si. Em ambos há um eixo comum: a certeza de que a saúde é um direito humano inalienável”, resumem os organizadores.