Exercício físico, atividade indicada para qualquer idade

Estima-se que haja cerca de 46 milhões de pessoas com demência no mundo, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). O mal de Alzheimer acomete, pelo menos, 50% desse total, mas pode ser responsável por uma parcela bem maior. Doença degenerativa comum após os 65 anos de idade, ela se caracteriza pela perda progressiva de células neurais. No início, dá-se a perda da memória recente, que pode progredir até a dificuldade mesmo de reconhecer os parentes mais próximos, entre outros sintomas. Não há, por ora, remédios que possam preveni-lo ou curá-lo. Por conta do crescimento da população de idosos, relatório de 2012 da OMS, realizado juntamente com a Associação Internacional de Doença de Alzheimer (ADI), indica que a probabilidade é de que o número de portadores dobre a cada 20 anos, podendo chegar a 74,7milhões em 2030.

Com a perspectiva de um aumento significativo no número de casos, crescem ao redor do mundo o número de cientistas e de laboratórios que pesquisam formas de identificar e combater o desenvolvimento da doença. No estado do Rio de Janeiro, estudo desenvolvido no Centro de Doença de Alzheimer (CDA), na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), liderada pela pesquisadora Andrea Camaz Deslandes, professora do Instituto de Educação Física e Desportos (IEFD) e do programa de pós-graduação em Ciências do Exercício e do Esporte (PGCEE), ambos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), tem demonstrado que a prática de determinados exercícios físicos amenizam e reduzem sintomas não só do Alzheimer, como também do Parkinson e do transtorno depressivo maior (TDM), que, com frequência, costumam acometer idosos.

Segundo Andrea, que é Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, os resultados dos estudos mostraram que idosos com esses problemas apresentaram redução dos sintomas clínicos após um período de seis meses de exercícios físicos. Mais especificamente, idosos com depressão tiveram reduzidos os sintomas após igual período de caminhada na esteira, realizados duas vezes por semana, por trinta minutos. No estudo com pacientes com Alzheimer, aqueles que associaram medicamentos à caminhada na esteira, com idêntica frequência semanal, melhoraram a capacidade funcional e o desempenho em testes cognitivos após quatro meses de intervenção. Já os pacientes com Parkinson apresentaram uma redução do comprometimento motor depois de três meses de caminhada na esteira e treinamentos de força em aparelhos de musculação.

“De forma geral, os pacientes que participaram da pesquisa aqui no CDA apresentaram uma boa adesão e não apresentaram respostas adversas”, relata a pesquisadora. “Essa melhora clínica pode estar associada a diversos mecanismos neurobiológicos do exercício que contribuem para ampliar a neuroplasticidade, como o aumento de fatores tróficos, neurogênese, sinaptogênese e angiogênese. Essas adaptações podem contribuir para a melhora das funções executivas, como flexibilidade de pensamento, tomada de decisão e controle inibitório.” Os resultados preliminares do estudo, alguns com resultados inéditos, já foram publicados em revistas internacionais, como a Neuropsychobiology e a Clinical Intervention of Aging.

Para a realização dos exercícios, idosos com Alzheimer, Parkinson e TDM precisam passar por um cardiologista e fazer teste ergométrico para avaliar o condicionamento cardiorrespiratório. Só então, podem ser liberados para os exercícios. Em seguida, eles passam por uma bateria de testes, que incluem avaliações neuropsicológicas, funcionais, hormonais e de atividade cortical, a fim de que as informações obtidas sejam comparadas com as recolhidas após a realização dos exercícios. “Em casos de grupos de pacientes com Parkinson, por exemplo, fazemos testes específicos, como o UPDRS, uma escala que avalia os sintomas e revela a gravidade dos tremores e da rigidez, entre outras características da doença”, diz Andrea.

Um dos testes feitos antes da prescrição dos exercícios é o Floor Maze Test, de navegação espacial. Nessa avaliação, um dos componentes da equipe acompanha o idoso em um tapete, no qual há um labirinto desenhado. O paciente precisa visualizar o tapete e desenhar mentalmente o caminho que irá seguir. Na segunda etapa, ele executa o caminho que planejou até a saída. O tempo de planejamento e execução do trajeto e a quantidade de erros são contados e computados. De acordo com Andrea, esse teste avalia a capacidade de navegação espacial, relacionada a áreas como o córtex parietal posterior, o córtex frontal e o hipocampo. Além disso, o teste demanda uma boa função executiva. “As funções executivas são primordiais para o nosso dia a dia, responsáveis pelo controle inibitório. Por exemplo, quando você pensa em alguma coisa e quer falar, mas avalia que isso não será adequado, e se cala. A simples ida a um banco para pagar uma conta requer que você tenha suas funções executivas funcionando bem: desde a decisão do caminho que você fará até lembrar de sua senha”, exemplifica a pesquisadora.

Dependendo do comprometimento do paciente com a demência, o número de erros e os tempos de planejamento e execução do caminho podem aumentar. Como explica Andrea, a pessoa com Alzheimer associado a um comprometimento frontal, tem suas funções executivas comprometidas, como o controle inibitório e a flexibilidade de pensamento, que é nossa capacidade de mudar de estratégia quando o planejamento anterior não dá certo. “Quando participam do teste, esses pacientes costumam fazem o caminho errado em diversas tentativas”, conta.

Outro teste é a caminhada em dupla tarefa, que avalia a resposta funcional dos pacientes. Nesse exercício, é preciso caminhar 2,44 metros, citando o maior número possível de animais, enquanto se movimentam. “Essa é uma avaliação bem sensível já que os estudos mostram que o comprometimento na dupla tarefa pode ser um precursor de doenças como o Alzheimer.”

A parte “B” do chamado de Trail Making Test (TMT) foi um dos testes cognitivos utilizados no estudo para avaliar a função executiva. Ele avalia a capacidade cognitiva de cada paciente e para realizá-lo é necessário ter a capacidade de alternar estímulos: ligar números a letras sem tirar o lápis do papel. Por exemplo, a letra A é ligada ao número 1, a letra B é ligada ao número 2, e assim sucessivamente. São avaliados o tempo que o paciente leva para executar a tarefa e a quantidade de erros cometidos.

Ao fim de todas essas avaliações, os idosos começam a fazer os exercícios físicos que se alternam entre o aeróbico, na esteira, e os exercícios de força, feitos nos aparelhos de musculação. De acordo com o estudo, a quantidade de vezes na semana e o tempo de duração dos exercícios podem variar. No caso dos pacientes com depressão, os treinos foram duas vezes por semana, por 30 minutos, durante três meses. Ao final desse período, todos os testes foram refeitos para efeito de comparação.

“Avaliamos dois grupos de pacientes: aqueles que estão fazendo exercícios associados à medicação, e os que não estão fazendo exercícios, apenas utilizando a medicação. Os resultados têm sido promissores”, avalia Andrea. “No grupo de pacientes depressivos que fizeram exercícios, 90% apresentaram remissão dos sintomas, enquanto apenas 30% do grupo controle, somente com a medicação, conseguiram essa resposta”, detalha. Entretanto, não são apenas os sintomas que diminuem. “Temos observado que a função física de cada um deles também melhora, como a força, flexibilidade, equilíbrio, o que ajuda muito nas atividades diárias e na melhora da qualidade de vida.”

Uma vez tendo participado de todas as etapas do estudo, os idosos podem continuar a frequentar a sala de musculação do Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC), da UFRJ, graças ao Proaptiva – projeto de extensão criado para dar continuidade ao atendimento de idosos, com estratégias de intervenção e palestras voltadas para parentes e cuidadores de pacientes com Alzheimer. O projeto é coordenado por Jerson Laks, pesquisador e Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ. “Com a melhora física e a diminuição dos sintomas, a maioria deles quer continuar se exercitando e achamos fundamental proporcionar isso a eles”, finaliza a pesquisadora.

*Reportagem originalmente publicada em Rio Pesquisa, Ano VIII, Nº 33 (Dezembro de 2015)