Idioma é entrave ao tratamento da tuberculose em bolivianos

A maior disparidade no atendimento a pacientes brasileiros e bolivianos com tuberculose (TB) em postos de saúde de quatro distritos localizados nas zonas leste e central do município de São Paulo (Belém, Bom Retiro, Brás e Pari) está na difícil comunicação devido a diferença linguística. Nestes quatro bairros, onde há um dos maiores percentuais de incidência da TB, a população geral é caracterizada como classes D e E (média baixa e baixa). Há grande número de imigrantes bolivianos, por ser o pólo mais importante das indústrias de confecção da cidade e, também, muitos moradores de rua. Além disso, o índice de desenvolvimento humano  (IDH), que relaciona longevidade, renda e educação, esta abaixo da média municipal nestas regiões.

Para chegar a estas constatações, a bióloga Vanessa Nogueira Martinez realizou uma pesquisa de mestrado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Em seu estudo, ela utilizou uma metodologia que mesclou dados de 1998 a 2008, da Coordenação de Vigilância Sanitária (COVISA), e entrevistas com pacientes das comunidades bolivianas em atendimento, no ano de 2009, pelas unidades básicas de saúde dos bairros em estudo.

As variáveis estudadas nas informações obtidas na COVISA levaram em conta cinco fatores: as características sociais e demográficas que descrevem sexo, idade e local em que os pacientes residem, considerando tanto o local quanto a forma de moradia; os aspectos diagnósticos, clínicos e terapêuticos, que consideram o tipo de tuberculose, o tratamento escolhido e como é posto em prática; os traços comportamentais que, segundo a pesquisadora, elucidam a quem os doentes recorrem quando sentem os primeiros sintomas; as comorbidades, que relacionam o surgimento da tuberculose em função de outras doenças; e os indicadores de acesso aos serviços e de qualidade do atendimento, que tratam da facilidade da atenção dada ao paciente desde o momento em que entra no posto de saúde.

Incidência da tuberculose

Em relação à comorbidade, que  relaciona a tuberculose a outras doenças como a aids, diabetes, alcoolismo e doenças mentais, a prevalência de associação entre duas patologias é sempre menor entre bolivianos do que em brasileiros. A pesquisa mostra, por exemplo, que a tuberculose em decorrência da aids apresenta a incidência de 0,7% em bolivianos e de 20,3% em brasileiros. E, no caso do alcoolismo, os índices são de 2,4% contra 15,1%. Comparativamente, dos 2.434 casos de tuberculose deste período, 68% dos doentes eram brasileiros e 30% bolivianos. A pesquisadora explica que “proporcionalmente, nos 10 anos que foram estudados, no entanto, houve uma inversão no número de casos da doença. Enquanto a patologia diminuiu de 45% entre os brasileiros, aumentou em 250% entre os bolivianos.
Ainda paralelamente, independente do sexo, os dados da pesquisa demonstram que ao serem acometidos pela moléstia, os bolivianos costumam ser mais jovens, entre 25 e 29 anos. Enquanto os brasileiros costumam apresentar sintomas da doença mais tarde, por volta dos 39 anos.

A bióloga relata que, “embora na Bolívia haja alto índice de tuberculose e muitos possam ter adquirido a bactéria (Mycobacterium tuberculosis ou Bacilo de Koch) geradora da infecção em seu país de origem, a doença se manifestou no Brasil devido ao estilo de vida de semiescravidão. Pois, quando eles vêm para cá, passam pela seleção da imigração e estão saudáveis para o trabalho.”

Condições de vida do boliviano e taxa de cura

Nas entrevistas, Vanessa delineou algumas características das condições em que vivem os bolivianos e que sugerem o elevado risco para contração da infecção: “A grande maioria mora em condições precárias na própria oficina em que trabalha. Está sempre sujeito a estar em contato com poeira, tecidos, locais fechados e sem luz. Ganham em média R$400,00 ao mês por 12 horas de trabalhos diários. E, como não tem alternativa, os pais, em geral, deixam as crianças presas em quartos escuros para poder trabalhar.
Porém, é interessante observar que a taxa de cura entre os bolivianos (70,9%) é maior que a dos brasileiros (62,1%). Assim como os índices para o tratamento supervisionado. “Os bolivianos tendem a dar continuidade tanto à ingestão dos medicamentos quanto nos continuados retornos aos postos de saúde”.

Estes dados escondem, entretanto, que muitas vezes aqueles que seguem o tratamento de forma correta o fazem por submissão e não porque entendem a patologia, sintomas ou a necessidade do tratamento. “Há muita dificuldade na comunicação entre os pacientes bolivianos com os enfermeiros e médicos que os atendem. Muitas vezes até por uma questão não só da língua falada, mas pela diferença cultural: bolivianos são mais fechados, menos expansivos que os brasileiros”, diz a pesquisadora.
A dissertação de mestrado Equidade em saúde: o caso da tuberculose na comunidade de bolivianos no município de São Paulo foi defendida, em 2010, sob orientação do professor Eliseu Alves Waldman.

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