Hanseníase é uma doença crônica, transmissível, tem preferência pela pele e nervos periféricos, o que lhe confere alto poder de causar incapacidades e deformidades físicas, principais responsáveis pelo estigma e preconceito que permeia a doença. A transmissão se dá de uma pessoa doente sem tratamento, para outra, após um contato próximo e prolongado.
O Ministério da Saúde (MS) promove em parceria aos estados e municípios, ações de vigilância e educação em saúde, com o objetivo de alertar a população sobre os sinais e sintomas da doença e incentivar a procura pelos serviços de saúde, além de mobilizar os profissionais de saúde à busca ativa de casos novos de hanseníase e exame dos contatos, especialmente os de convivência domiciliar (grupo com maior risco de adoecimento). As ações de busca ativa têm como foco o diagnóstico precoce da doença e a prevenção das incapacidades e deformidades físicas.
O MS recomenda que as pessoas procurem o serviço de saúde ao aparecimento de manchas em qualquer parte do corpo, principalmente, se essa mancha apresentar alteração de sensibilidade ao calor e ao toque, configurando como um dos sinais e sintomas sugestivos da doença.
Entre 2006 a 2015, o Brasil conseguiu reduzir em 28% a taxa de detecção da doença, reduzindo de 43.652 para 28.761 o número de casos novos diagnosticados, no mesmo período. Entretanto, mesmo com a redução apresentada, a detecção no país ainda é considerada alta para a Organização Mundial de Saúde (OMS). Dos 28.761 casos registrados em 2015, 2.113 (7,34%) foram em crianças com menos de 15 anos, sinalizando focos de infecção ativos e transmissões recentes.
No mês em que é celebrado o Dia Mundial de Luta Contra à Hanseníase (janeiro roxo) – cor definida em 2015 para simbolização do enfrentamento a doença no país -, para alertar a população a respeito da doença, o Blog da Saúde entrevistou a Coordenadora Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação do Ministério da Saúde, Carmelita Ribeiro Filha. Confira a entrevista:
Blog da Saúde: O que é a Hanseníase?
Carmelita Filha: É uma doença dermato neurológica, que tem manifestação na pele, como manchas. E essas manchas têm alteração de sensibilidade, por isso são consideradas dermato neurológicas. A parte neurológica vem dos nervos periféricos, responsáveis pela sensibilidade e motricidade. Então a Hanseníase é a única doença dermatológica que tem alteração de sensibilidade na pele.
Blog da Saúde: E quais são os principais sinais e sintomas?
Carmelita Filha: Os principais sinais e sintomas são:- manchas na pele com alteração da sensibilidade térmica e/ou dolorosa; comprometimento neural periférica em mãos e/ou pés e/ou face.
É comum as pessoas falarem que estão com uma mancha dormente no corpo e chegarem ao consultório com uma cicatriz no local por terem feito o teste da sensibilidade. Mas é importante ressaltar que nem sempre a mancha doença vai estar totalmente dormente. Ela pode estar mais ou menos, dependendo do tempo. As manchas podem ser esbranquiçadas, que não dói, não coça e aparecem geralmente em lugares como as costas, braços, perna e rosto, mas isso não elimina outras áreas do corpo. É uma mancha que aparece no corpo e que muitas vezes as pessoas não se sentem incomodadas. Também pode haver alteração de sensibilidade sem a mancha.
Blog da Saúde: E quais são as causas? É uma doença transmissível?
Carmelita Filha: A hanseníase é uma doença milenar, é sinônimo de lepra. No Brasil que foi alterado a nomenclatura pelo preconceito a doença. O período de encubação da doença é longo e é transmissível. Então uma pessoa que possui Hanseníase do tipo multibacilar que não esteja em tratamento transmite a doença, geralmente para quem está mais próximo. São as pessoas que moram com ela ou que estão próximas, que tem maior chance de adoecer. A bactéria causadora da Hanseníase é a microbacterium lepra, e ela entra pelas vias aéreas superiores através de um espirro, tosse ou até mesmo uma conversa. Mas só uma conversa rápida não é o suficiente para desenvolver a doença, precisa que a pessoa esteja todo dia recebendo a bactéria. As pessoas ficam muito receosas em estar perto de quem tem a doença, mas falta conhecimento de que não é em um contato rápido que haverá transmissão. Envolve uma rotina diária. E ainda assim, para você adoecer, a pessoa que recebeu a carga bacilar teria que estar em condições para adoecer, como resistência baixa, por exemplo. Então sim, é uma doença transmissível, mas não tem toda essa facilidade de transmissão como às pessoas acham.
Blog da Saúde: Quais são os tipos de hanseníase? Todos eles são transmissíveis?
Carmelita Filha: A hanseníase tem duas fases ou formas clínicas: paucibacilar e multibacilar. A forma paucibacilar, é a inicial da doença e o tratamento é realizado com seis doses de PQT; na forma multibacilar, o tratamento é realizado com doze doses de PQT. Quem faz diagnóstico é o médico da equipe de Estratégia de Saúde da Família/ESF, da Unidade de Saúde mais próxima a residência, inicialmente de maneira clínica e se necessário, com a confirmação no laboratório.
Blog da Saúde: E como as pessoas podem evitar a contaminação? Quais os cuidados?
Carmelita Filha: A forma de prevenção é diagnosticar os casos precocemente. Não é uma doença que tem vacina para evitar. A prevenção consiste no diagnóstico de todas as pessoas o mais rápido possível, e tratar para que as pessoas evitem a transmissão. Iniciado o tratamento, imediatamente a pessoa deixa de transmitir a doença. Outra coisa interessante é que é muito difícil saber de quem pegou a doença, por que tem um período de incubação longo, e pode ficar em média cinco anos sem apresentar sintomas e a pessoa não saber que é portadora da doença. Além disso, a pessoa pode ficar com a mancha ou outros sintomas, e não dar importância. A gente estimula que os profissionais de saúde fiquem atentos para os sinais e sintomas da hanseníase, pois somos um país endêmico e precisamos ficar alerta para o diagnóstico não só do paciente, mas que a família e os contatos próximos também venham para ser examinados e diagnosticados o quanto antes.
Blog da Saúde: E como as pessoas podem procurar um serviço de saúde para fazer o diagnóstico?
Carmelita Filha: A hanseníase é uma doença que está na Atenção Básica, então qualquer Unidade de Saúde no seu município, deve fazer o diagnóstico. Se uma pessoa tiver qualquer sinal e sintoma, e suspeitar que tenha a doença, deve procurar a Unidade mais perto da sua casa. Ali a equipe pode examinar, dar o diagnóstico, e logo iniciar o tratamento. Toda Unidade oferece tratamento de hanseníase gratuito pelo SUS.
Blog da Saúde: Mesmo sem sintomas, eu posso procurar a Atenção Básica?
Carmelita Filha: O ideal é que todas as pessoas procurem. Se algum amigo ou parente da família teve historia de hanseníase, mesmo que não tenha nenhum sinal. O ideal é que uma equipe da ESF examine e faça a prevenção.
Blog da Saúde: E como funciona o tratamento?
Carmelita Filha: Quando o paciente tem o diagnóstico de hanseníase, ele recebe todas as informações e é imediatamente indicado para o tratamento. O período do tratamento dura um ano para casos de hanseníase multibacilar, e seis meses para os casos paucibacilares. A primeira dose é dada diretamente na unidade de saúde. Funciona assim: todo mês o paciente tem que ir à Unidade para tomar uma dose supervisionada do remédio, ou seja, na frente do profissional de saúde, e pegar o resto da medicação para ser tomada durante 28 dias, todos os dias. Em casos de paucibacilar, um comprimido por dia, no caso de multibacilar, dois comprimidos. Concluindo o tratamento em casa, o paciente volta à Unidade, toma a medicação supervisionada, e pega o restante da medicação novamente, até o fim do tratamento quando ela está curada. Caso tenha algum problema com a medicação, é na Unidade que ele deve pedir orientação.
Blog da Saúde: Hanseníase mata?
Carmelita Filha: Não mata, mas traz deformidades físicas se não for tratada adequadamente e precocemente.
Blog da Saúde: Por que as pessoas que possuem a doença são estigmatizadas?
Carmelita Filha: O principal fator são as sequelas, pois a hanseníase poderá causar deformidade física. A pessoa que tem o tipo multibacilar, que é o tipo que transmite, quando tem o diagnóstico tardio, tem mais chance de ter uma incapacidade física. A micobactéria pode acometer os nervos periféricos dos olhos, mãos e pés. As pessoas que estão curadas, não transmitem mais, mas são estigmatizadas pela aparência, e a gente não deve discriminar o próximo pelo que está vendo. É uma pessoa como qualquer outra, apesar de alguns casos apresentarem algum tipo de sequela decorrente da doença. Assim, devemos evitar o preconceito, com qualquer pessoa que tenha qualquer tipo de deficiência física.