Um estudo divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) nesta terça-feira revela que 92% da população mundial vive em áreas que excedem os níveis de poluição recomendados. Os países pobres e em desenvolvimento são os que mais sofrem com o problema.
Dentre os emergentes do grupo Brics, o Brasil tem o desempenho menos negativo, com 14 mortes por ano ligadas à poluição do ar para cada 100 mil habitantes. China, Rússia, Índia e África do Sul têm respectivamente 70, 61, 68 e 39 mortes para cada 100 mil habitantes.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, uma matriz energética renovável, políticas de contenção de emissões e investimentos em transporte alternativo e público contribuíram para o desempenho positivo brasileiro.
A tendência, porém, é de piora nesse ranking, pois os dados base são de 2012, e, atualmente, os outros emergentes vêm dando mais atenção ao tema do que o Brasil.
Pobres e emergentes
A cada ano, cerca de três milhões de pessoas morrem por doenças associadas à poluição do ar em espaços abertos. A grande maioria desses óbitos ocorre em países pobres ou em desenvolvimento com políticas públicas que não priorizam o acesso a tecnologias limpas e onde a industrialização ocorre de maneira desregulada.
“A poluição do ar segue custando caro à saúde das populações mais vulneráveis – mulheres, crianças e idosos”, lamentou Flávia Bustreo, diretora-geral assistente do órgão.
“Me impressiona muito que mais de 90% da população esteja exposta à poluição nociva”, disse à BBC Brasil, o médico brasileiro Carlos Dora, coordenador do departamento de Políticas Públicas, Meio Ambiente e Determinantes Sociais de Saúde da OMS.
Dora avalia que o Brasil está em uma etapa intermediária em relação ao resto do mundo, atrás da América do Norte e da Europa, porém à frente de Ásia, Oriente Médio e África.
“O Brasil não é dos piores, mas ainda poderia melhorar bastante”, afirma. Frente a outros emergentes, o país estaria numa posição mais confortável por conta, principalmente, da sua matriz energética, que é renovável, proveniente de hidroelétricas.
“A China, por exemplo, ainda queima muito carvão, o que é altamente poluente”, exemplifica Dora.
Professora do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP, Maria Andrade explica que, além da questão energética, o Brasil implementou na virada dos anos 1980 para 1990 um programa nacional de controle de emissões de gases por veículos – o Proconve – que deu resultado.
“Nas áreas urbanas houve, depois do Proconve, uma redução na poluição significativa, apesar do aumento da frota. O que se precisa agora é controlar a queima de biomassa, a queima de florestas”, aponta.
Andrade menciona ainda que controles nas indústrias e o desenvolvimento de tecnologias de combustíveis, para a redução das emissões de enxofre, também contribuíram à melhora nas últimas décadas.
Atualmente, as principais fontes de poluição do ar no Brasil são as queimadas no campo, as emissões de veículos nas áreas urbanas e as indústrias, elencou a professora da USP.
São Paulo
Em um ranking de grandes metrópoles emergentes, São Paulo e Buenos Aires aparecem como as que têm a melhor qualidade de ar, segundo dados do período de 2011 a 2015 da OMS.
A maior cidade da América do Sul teve um desempenho melhor que, nessa ordem, Cidade do México, Istambul, Xangai, Pequim, Mumbai, Calcutá, Dhaka, Cairo e Nova Déli. Lanterna dos emergentes, a capital da Índia chega a ter uma qualidade de ar cinco vezes pior do que a metrópole paulistana.
“Quando você compara com esses lugares, você vai perceber que aqui está muito melhor”, avalia Andrade. “Mas ainda temos problemas com partículas secundárias, como ozônio, e partículas mais finas.”
“São Paulo está num nível intermediário, o que é muito melhor que essas outras cidades do mundo em desenvolvimento”, diz Carlos Dora.
Ele credita o bom posicionamento da capital paulista à expansão do sistema de transporte público e à implementação de alternativas verdes, como as ciclovias.
“Há varios questionamentos quanto às ciclovias, mas qualquer política que estimule meios de transportes alternativos e mais limpos é super bem-vinda do ponto de vista do meio ambiente”, afirma Maria Andrade.
Tendências
Já Dora avalia que, no cenário global, o Brasil está sendo ultrapassado por outros países emergentes, como a China, que vêm dando maior ênfase à qualidade do ar.
“Existe liderança em exemplos de ações no transporte público do Brasil, mas de forma geral a China está à frente. Eles estão tomando medidas mais drásticas, inovadoras e estão avançando mais. Estão investindo muito mais”, afirma.
Estudo
O estudo, que revisou dados entre 2010 e 2015, apontou que apenas uma em cada dez pessoas no mundo vive em áreas cujo ar pode ser considerado limpo de acordo com os padrões da OMS.
A compilação dos dados baseou-se em amostragens provenientes de três mil localidades de perfil predominantemente urbano no planeta. Juntas, as populações das regiões estudadas somam 1,6 bilhão de pessoas, ou 43% da população urbana mundial.
As pesquisas que serviram de base ao relatório avaliaram a presença de “partículas de matéria” (PM) no ar, que tivessem um diâmetro menor que 10 ou 2,5 micrômetros (PM 10 e PM 2.5). Os principais ingredientes presentes no composto PM são sulfatos, nitratos, amônia, cloreto de sódio, carvão negro, poeira mineral e água.
O estudo reconhece que, apesar de outros componentes estarem mais comumente associados à toxicidade da poluição – monóxido de carbono, dióxidos sulfúricos e ozônio, por exemplo -, para uma comparação mundial equivalente foi necessário optar por um parâmetro universal. O composto PM é o que possui mais extensa literatura científica nesse sentido.
As partículas a partir de 10 micrômetros de diâmetro (PM 10) são consideradas extremamente nocivas, pois podem penetrar e se alojar nos pulmões, dando origem a enfermidades sérias.
Diversas doenças estão associadas de maneira ampla à poluição, mas o estudo se ateve apenas a acidente vascular cerebral (AVC, ou derrame), isquemia cardiovascular, câncer de pulmão e infecções agudas do sistema respiratório inferior (pneumonia).
O órgão das Nações Unidas vem coletando dados de PM10 e PM2,5 desde 2011, na esperança de entender melhor o problema e promover a redução do impacto da poluição global na saúde das populações.
“Esse investimento também é bom para os negócios. A lógica não é só ecológica.”
Maria Andrade, por sua vez, vê com incerteza o futuro da “economia verde” no Brasil, dado o cenário de instabilidade política atual. “Em geral, quando se está em fase de crise econômica, (os temas ligados ao meio ambiente) passam a não ser tão prioritários.”
“Não vejo tantos grupos trabalhando para sugerir idéias de melhorias (…) está tudo meio parado; prova disso é que você praticamente não vê o assunto em pauta na propaganda eleitoral”, diz.