Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto mostra como o homem com câncer de próstata lida com a mudança de identidade e com a sensação de perda da masculinidade
O câncer de próstata leva os homens a deixarem de ter o convívio harmonioso com a sociedade, sentirem a perda da identidade como homens e até a terem pensamentos angustiantes de repressão e isolamento. Esse foi o resultado de estudo apresentado na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, que entrevistou 17 homens com diagnóstico de câncer de próstata, entre março de 2013 e março de 2016.
E as evidências mostram que não são poucos os homens que passam por esses sentimentos. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de próstata atinge um a cada seis homens no mundo. Desses, somente uma pequena parte morrerá em consequência da doença, mas ela vai impor limitações físicas, emocionais e sociais a quase todos esses homens.
No estudo apresentado na EERP, todos os entrevistados relataram sofrer de enfermidades físicas, biológicas e sociais por conta da disfunção sexual e incontinência urinária. O enfermeiro Jeferson Araújo, autor do estudo, relata que os homens são resistentes em aceitar o adoecimento, mesmo notando que seus corpos não apresentam as mesmas funções que os corpos de outros homens. Assim, “destinam a origem da doença a explicações diversas como a realização de trabalho, alimentação inadequada, falta de relações sexuais e castigo de Deus”. Segundo o pesquisador, os adoecidos buscaram cuidados médicos somente quando os sinais e sintomas começaram a ameaçar a virilidade e a saúde.
Apesar de, inicialmente, existir a relutância à enfermidade, após o tratamento, diz Araújo, os adoecidos adquirem uma nova identidade, aceitando as limitações e fragilidades impostas pelo câncer. Ao se depararem com a transição de identidade e com a falta de opções que possibilitem mudar essa realidade, os enfermos passam a se afastar de outros homens, por medo de serem julgados como fracos e afeminados. “Segundo eles, por mais que não queiram ser esse novo homem, esta é a única maneira que eles encontram para sobreviver após a doença.”
Entre a cruz e a espada
O estudo revela que o sentimento desses homens acerca de sua enfermidade é o de viver entre a cruz e a espada. Isso porque, segundo os entrevistados, de um lado a sociedade cobra que os homens tenham comportamentos reconhecidos culturalmente como masculinos, do outro, a doença e os tratamentos deixam sequelas que não permitem isso. “Os adoecidos se queixam principalmente de se sentirem como um nada, não encontram mais serventia em suas ações, são desvalorizados por seus familiares, marginalizados por homens saudáveis e ainda são obrigados a conviver com seus corpos sequelados, que não proporcionam mais prazer sexual e, em muitos momentos, se encontram com mal cheiro característico de urina.” Para eles, viver dessa forma, é como morrer um pouco a cada dia, relata o pesquisador.
“Os adoecidos se queixam (de que) não encontram mais serventia em suas ações, são desvalorizados por seus familiares, marginalizados por homens saudáveis e ainda são obrigados a conviver com seus corpos sequelados (…).”
Isolamento social
No entanto, esse sofrimento e sentimento de tristeza profunda leva o homem adoecido, em alguns casos particulares, a agravar seu estado de saúde e se isolar do convívio social, aponta o estudo. Frente a este convívio desarmonioso o enfermeiro ganha destaque na implementação de suas ações de saúde: segundo Araújo, a partir da observação dessa vivência e do ato de se colocar no lugar do outro, enxergando as regras e cultura que regem o comportamento dos homens, o enfermeiro apreende as experiências dos adoecidos. Dessa forma, o profissional reflete sobre o melhor plano de cuidados para ser implementado a cada adoecido, pois “para que o enfermeiro possa atuar no cuidado integralizado, fornecendo resultados positivos ao homem, antes faz-se necessário aprender com o outro para depois ajudá-lo.”
A tese A experiência do homem com câncer de próstata na perspectiva da antropologia das masculinidades foi defendida em julho deste ano e orientada pela professora Márcia Maria Fontão Zago da EERP.
Stella Arengheri, de Ribeirão Preto
Mais informações: email jefaraujo@usp.br, com o Jeferson Araújo