Pesquisadora verificou quais parâmetros mais pesavam na redução e na ocorrência de contaminação cruzada por Salmonella typhimurium
Uma pesquisa conduzida pela nutricionista Daniele Maffei, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e ligada ao Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC), levantou as práticas empregadas por indústrias paulistas produtoras de vegetais prontos para o consumo (VPC) e avaliou a qualidade microbiológica desses produtos. O consumo de VPC vem aumentando no Brasil como consequência de mudanças nos hábitos alimentares da população. Por serem consumidos na forma crua, os VPC não necessitam de qualquer tratamento adicional antes do consumo e, portanto, as indústrias devem garantir a qualidade e segurança desses produtos. Mas será que o procedimento empregado pelas indústrias brasileiras é capaz disso?
A pesquisadora visitou dez indústrias do Estado de São Paulo, sendo três na capital e sete no interior. Mais do que detectar que os processos de desinfecção feitos com sanitizante à base de cloro garantiam qualidade para consumo nas indústrias visitadas, Daniele verificou quais eram os parâmetros que mais pesavam na redução e na ocorrência de contaminação cruzada porSalmonella typhimurium, bactéria causadora de uma doença de origem alimentar muito comum. Para isso, simulou parâmetros da água de desinfecção observados nas indústrias, incluindo pH, temperatura, concentração de matéria orgânica (sujeira), concentração do sanitizante e o tempo de contato entre o sanitizante e os vegetais, além da proporção entre a quantidade de água e de vegetais lavados.
A pesquisadora então contaminou algumas amostras de alface com Salmonella typhimurium e realizou o procedimento de lavagem em água (clorada e não clorada), simulando os parâmetros físico-químicos da água observados nas indústrias.
“Primeiro lavamos uma porção de alface contaminada, retiramos essa alface contaminada da água e, em seguida, lavamos sequencialmente dez porções de alfaces não contaminadas na mesma água. Observamos que, quando o sanitizante foi usado em concentrações acima de 10 ppm [equivalente a 10 miligramas por litro (mg/L)], não ocorreu contaminação cruzada, ou seja, a presença do sanitizante evitou a transferência da bactéria para a água de lavagem e, consequentemente, para amostras não contaminadas lavadas na mesma água”, explica. De acordo com a pesquisadora, “a diluição recomendada pela Portaria CVS 5, de 9 de abril de 2013, para desinfecção de hortaliças é de uma colher de sopa rasa de hipoclorito de sódio (água sanitária) na concentração de 2% a 2,5%, diluída em um litro de água potável. Por outro lado, quando o experimento foi feito em água não clorada, ocorreu contaminação cruzada e a Salmonella typhimurium foi transferida para as dez porções inicialmente não contaminadas que foram lavadas na mesma água”.
Modelagem preditiva
Em uma última etapa, a pesquisadora inseriu os dados obtidos nos experimentos de laboratório em programas matemáticos computacionais de microbiologia preditiva, para estimar qual seria o impacto da contaminação cruzada durante a etapa de desinfecção por Salmonella devido ao consumo de VPC no Brasil. “Utilizando esses programas é possível predizer qual seria o número de surtos de salmonelose na população e qual a influência da contaminação cruzada nesses surtos, em função da concentração de sanitizante usada na etapa de desinfecção.” E novamente o efeito do cloro foi decisivo.
“O modelo matemático construído estimou que, dentre os casos de salmonelose preditos no Brasil devido ao consumo de VPC, até 96% poderiam acontecer devido à ocorrência de contaminação cruzada quando foram avaliados cenários em que o uso de sanitizantes não foi empregado. E quando inserimos no modelo uma concentração de cloro igual ou maior a 50 ppm, não houve casos preditos devido à ocorrência de contaminação cruzada”, explica. Esta etapa do trabalho foi feita na Rutgers, The State University of New Jersey, sob orientação de Donald Schaffner, especialista nessa área de microbiologia preditiva e avaliação quantitativa de risco microbiológico.
De acordo com Bernadette Franco, orientadora de Daniele, professora titular do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF e diretora do FoRC, o trabalho é um grande exemplo de pesquisa aplicada, pois foi além da pesquisa. “Ela fez parcerias, ministrou cursos de boas práticas para os manipuladores e apresentou para as empresas relatórios com os resultados das análises microbiológicas. Trata-se de uma pesquisa de aplicação imediata, muito próxima do dia a dia das pessoas. E a ciência tem justamente essa função: melhorar a vida das pessoas.”
Da Acadêmica Agência de Comunicação