Cientistas diferenciam LDL com maior potencial para dano à saúde

A LDL, também conhecida como “colesterol ruim”, pode não ser tão prejudicial ao organismo, dependendo de sua estrutura e nível de oxidação

A LDL é bem conhecida popularmente como o mau colesterol, já que em excesso pode se depositar na parede das artérias, dando início a um processo inflamatório que pode resultar em doenças cardiovasculares. A novidade é que algumas LDLs são mais vilãs que as outras – e os pesquisadores já conseguem definir os diferentes graus do seu potencial para causar estragos.

Em pesquisa realizada no Grupo de Fluidos Complexos, sediado no Instituto de Física (IF) da USP, físicos e médicos se uniram para decifrar o grau de oxidação da lipoproteína LDL, que atua como uma espécie de assinatura que as diferencia como mais ou menos danosas à saúde. “Dependendo de sua estrutura, ela pode ser menos prejudicial”, afirma o professor Antônio Martins Figueiredo, do IF.

Ele e a professora Maria Cristina de Oliveira Izar, livre-docente da disciplina de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordenaram um estudo em que foi aplicado um método capaz de analisar o estado de oxidação da LDL de atletas de alta performance. “Até agora, esse conhecimento ainda não havia sido descrito na medicina. A partir da descrição do grau de oxidação da LDL será possível saber com maior exatidão quando e como ela deverá ser combatida no organismo”, descreve Maria Cristina.

Os resultados estão publicados em artigo recentemente veiculado na revista Cell Biochemistry and Biophysics, em sua edição de abril.

Como age a LDL

Maria Cristina de Oliveira Izar – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A LDL, cuja sigla vem do inglês – Low Density Lipoprotein –, é na verdade uma lipoproteína que tem como função transportar colesterol e triglicerídeos do fígado e intestino delgado às células e tecidos que estão necessitando destas substâncias. O problema é que, em altas concentrações, ela própria se acumula nas paredes dos vasos sanguíneos, causando inflamação e entupimento, o que pode levar à necrose (morte de tecidos) por falta de circulação sanguínea. Quando isso acontece no músculo cardíaco temos um infarto; no cérebro, um AVC (ou AVE).

A oxidação é um processo químico que resulta em alteração nas estruturas moleculares, perdendo elétrons. Exemplos de reação de oxidação são a corrosão de metais e a própria combustão. Quanto mais oxidada estiver a LDL, mais aterogênica ela é, isto é, tem mais capacidade de gerar doença vascular. Os estudos desenvolvidos até agora no Grupo de Fluidos Complexos evidenciam que os cientistas já têm uma “assinatura” da LDL – tanto da nativa (que apenas realiza sua função de transporte) quanto da modificada (a aterogênica). “Já temos a ‘prova de conceito’ de como descrever a estrutura da LDL quanto ao seu grau de oxidação. Futuramente, novos estudos e experimentos poderão evoluir para o aperfeiçoamento dessa técnica na prática clínica, por exemplo”, avalia o professor Figueiredo.

Testes com atletas

Para se chegar aos resultados atuais, os cientistas avaliaram e compararam dois grupos de pessoas: um composto de 44 atletas maratonistas e outro com 51 pessoas saudáveis, porém com hábitos de vida sedentários. Foram 21 atletas do sexo masculino e 23 atletas do sexo feminino; além de 20 homens e 20 mulheres sedentários (os sedentários formando o grupo controle). “Fizemos um estudo transversal em que dados do perfil lipídico e a qualidade da LDL foram comparados nos dois grupos. A LDL dos atletas encontrava-se menos modificada do que a dos controles sedentários”, conta a professora da Unifesp.

O método empregado, Z-Scan ou varredura Z, analisa propriedades ópticas não lineares de fluidos transparentes. “Em nosso estudo avaliamos amostras de LDL misturadas com água”, descreve Figueiredo. A técnica, segundo o cientista, permitiu identificar o grau de preservação ou de oxidação da amostra de LDL comparando-se com resultados previamente obtidos in vitro com agentes oxidantes, como o ferro e o cobre.

De acordo com o que já era esperado, os atletas apresentaram melhores índices nos exames, como quantidade de LDL, pressão arterial e triglicerídeos mais baixos, e HDL mais alto. “Outro índice observado foi que os atletas masculinos e de mesma idade tinham a espessura da carótida mais fina do que os voluntários controle”, relata Maria Cristina.

Z-scan

As amostras de LDL foram analisadas nos laboratórios do IF num arranjo experimental normalmente usado para análise de fluidos. “Adaptamos um sistema chamado Z-scan, que utiliza luz laser, para as análises de preservação da estrutura da lipoproteína”, conta Figueiredo.

Antônio Figueiredo, professor do Instituto de Física da USP – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Uma pequena porção de LDL misturada com água é colocada entre duas lâminas de um vidro especial. “O espaço entre as lâminas, onde é colocada a mistura da lipoproteína com água, é praticamente imperceptível, algo em torno de 35 mícrons”, descreve o professor do IF. A luz laser incide sobre a amostra e a aquece, permitindo analisar a qualidade da lipoproteína (veja infográfico). “A LDL inalterada formará uma boa lente térmica, concentrando mais calor. Já a LDL modificada dissipa mais facilmente o calor”, explica Figueiredo.

Os estudos sobre a LDL no IF tiveram início no ano de 2004. Naquela oportunidade, os cientistas fizeram oxidações da lipoproteína in vitro com materiais como cobre e ferro. “Após as oxidações, fizemos as medições das respectivas assinaturas”, conta o docente.

Mais tarde, já entre 2009 e 2010, os experimentos avaliaram pessoas com periodontite, doença inflamatória das gengivas, e a relação desta com as doenças do sistema cardiovascular. “Evidenciou-se que havia uma ligação estreita entre a periodontite e a qualidade da LDL dessas pessoas. A LDL de pacientes com periodontite apresentava alterações em sua estrutura. Este estudo transversal confirma nossas hipóteses”, avalia Maria Cristina.

O Grupo de Fluidos Complexos, sediado no IF, onde foram realizados os experimentos, é a sede de um dos Institutos de Ciência e Tecnologia (INCT) que conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Mais informações: (11) 3091-6830, com o professor Antônio Martins Figueiredo Neto; emailafigueiredo@if.usp.br, ou no (11) 5576 4961, com a professora Maria Cristina de Oliveira Izar; emailmcoizar@terra.com.br