Profissionais de saúde que lidam com iminência da morte necessitam de formação diferenciada

Pesquisa aponta importância de preparação ética para aqueles que trabalham com cuidados paliativos

Com o envelhecimento da população brasileira e o avanço da medicina na manutenção da qualidade da vida, a presença de uma equipe preparada para atuar em situações de doenças crônicas que têm risco de morte tornou-se cada vez mais necessária. A pesquisadora Carolina Becker elaborou sua tese de doutorado sobre os profissionais dessa área buscando entender quais os problemas éticos vivenciados pelos chamados paliativistas e qual a sua diferenciação para os demais que atuam na saúde. Os dilemas detectados fizeram com que considerasse a necessidade de uma formação com fundamentos éticos e bioéticos que capacite esses profissionais a lidarem com as complexidades exigidas no cotidiano da profissão.

Os cuidados paliativos, como são chamados, foram definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma abordagem ou tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida. Segundo Becker, todos da área de saúde podem realizar medidas paliativas. “Vários profissionais de áreas afins aos cuidados paliativos, como por exemplo os que trabalham na oncologia, geriatria/gerontologia já têm, geralmente, bom nível de conhecimento e habilidades para atuar nese ramo. Há, ainda, aqueles que são especializados, e que contribuem no atendimento de pacientes com maior complexidade”, acrescenta Carolina.

Através de sua própria atuação na área de gerontologia, a pesquisadora  lidou com situações complexas que a levaram a refletir sobre os dilemas éticos enfrentados por essas pessoas: “Desde cedo reconheci a importância da formação ética de todo profissional de saúde para atuar da maneira mais justa perante o paciente, sua família, sua equipe, e a sociedade como um todo”, conta. Essa constatação fez com que elaborasse a tese “Questões éticas reconhecidas por profissionais de uma equipe de Cuidados Paliativos”, orientada pelo professor Paulo Antonio de Carvalho Fortes que, dentre outras atuações, foi uma grande referência em ética médica e bioética.

Dilemas e soluções

Para a pesquisa foram entrevistados 11 profissionais de diversas especialidades, atuantes há pelo menos um ano na equipe de cuidados paliativos de um hospital geral. A entrevista ocorreu no próprio local de trabalho. A maior dificuldade foi fazer com que os participantes falassem abertamente sobre os problemas éticos que enfrentam: “Não é simples admitir que se tem dúvidas e dificuldades em refletir e tomar decisões quando há um problema ético. Algumas vezes foi preciso ampliar a questão para problemas que o sujeito identificava na atuação de um colega, ou de uma outra equipe” explica Becker.

A partir dessas entrevistas com preservação do anonimato, foram constatadas diversas questões relacionadas a indicações terapêuticas, preferências do paciente, qualidade de vida e aspectos contextuais. Dentre os dilemas descobertos, três chamaram a atenção da pesquisadora: dificuldades na comunicação de más notícias, cerco de silêncio, escolha para local de tratamento e morte, entre outros fatores.

Das situações destacadas, as duas primeiras são complementares: existe um dilema entre contar ou não certos fatos para o paciente com medo que possam comprometer sua qualidade de vida caso ele esteja em estado depressivo, por exemplo. Dentro dessa situação, existe uma abordagem mais específica que é o cerco do silêncio, uma espécie de pacto entre profissional e família para que o atendido não saiba da real gravidade de sua situação, o que é feito em tese para protegê-lo mas também fere sua autonomia.

Além disso, muitas vezes o paciente manifesta o desejo de tratar-se – e eventualmente falecer – em sua própria casa, o que pode ser problemático de diversas maneiras: falecimento fora do hospital requer trâmites burocráticos como a necropsia, que não seria tão necessária uma vez que o paciente vêm sendo acompanhado. Outros fatores de complicação são a falta de estrutura dos próprios serviços, que muitas vezes não tem possibilidade de seguir o tratamento fora do ambiente hospitalar, e a falta de estrutura da família para lidar com a morte do ente querido em seu próprio lar.

Segundo a pesquisadora, a situação dos cuidados paliativos está caminhando a passos lentos no Brasil, levando em consideração o acelerado processo de envelhecimento populacional e as dimensões continentais do país. Para que esse quadro se altere seriam necessários maiores investimentos em políticas públicas sólidas na área além de necessidade de formação em recursos humanos, incluindo conteúdos de ética e bioética, que possam orientar as demandas diferenciadas desses profissionais na prática clínica.