Pesquisadores identificam alvo terapêutico para alguns tipos de câncer

Um grupo internacional de pesquisadores está desvendando as funções desempenhadas por uma molécula, chamada galectina-3, na progressão de alguns tipos de câncer.

O trabalho é feito por cientistas do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), em colaboração com colegas da University of California em Davis e do Moffitt Research Center em Tampa – ambos nos Estados Unidos –, além da University of Toronto, Canadá, e do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, em São Paulo,

Alguns dos resultados dos estudos, iniciados no Center for Research on Cell-Based Therapy – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP, foram apresentados por Roger Chammas, coordenador do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Icesp, em uma sessão sobre pesquisas em câncer durante a FAPESP Week UC Davis in Brazil.

Realizado pela FAPESP e a University of California (UC) em Davis, o encontro reúne até quarta-feira (13/05) no espaço Apas, em São Paulo, cientistas da universidade californiana e de instituições paulistas para apresentação de resultados de pesquisas em diversas áreas do conhecimento.

“A galectina-3 exerce diversas funções. Essa molécula tem um padrão de expressão compatível com um biomarcador e, em alguns casos, é perdida no processo de evolução de alguns tipos de tumores”, disse Chammas à Agência FAPESP.

De acordo com Chammas, a galectina-3 já é usada atualmente como biomarcador cardiológico. O aumento da molécula na circulação, decorrente de seu incremento no miocárdio, permite a identificação de pacientes predispostos a desenvolver insuficiência cardíaca, antes dos surgimentos dos primeiros sintomas.

Na oncologia, os pesquisadores brasileiros e outros grupos no mundo constataram em estudos clínicos que há um aumento da presença da galectina-3 no plasma sanguíneo de pacientes com tumores metastáticos – cujas células cancerígenas se espalharam para outras partes da região original.

“Estamos vendo que há um aumento da expressão de galectina-3 na circulação de pacientes com diferentes tipos de tumores em estágios avançados, como o de mama e melanoma [câncer de pele]”, disse Chammas. “O curioso é que no tumor, em si, a expressão dessa molécula é baixa.”

Um estudo realizado por pesquisadores do grupo com pacientes com glioblastoma – um tumor do sistema nervoso central – mostrou que a galectina-3 acumula-se em células do tumor com baixa oxigenação e privadas de nutrientes, favorecendo a sobrevivência e a migração delas.

Já em melanomas, a expressão da molécula diminui à medida que o câncer evolui, a despeito de aumentar na circulação dos pacientes. “A galectina-3 está envolvida em uma série de processos biológicos e não é apenas um biomarcador para diversos estados patológicos, como também é um alvo para intervenção terapêutica”, avaliou Chammas.

Múltiplas funções

Uma das funções desempenhadas pela molécula durante a progressão de tumores metastáticos identificadas pelos pesquisadores é a amplificação da intensidade das respostas imunes.

Em alguns tipos de tumores metastáticos, a galectina-3 sinaliza, de forma bastante enfática, por meio do aumento da expressão, o perigo e a capacidade de células tumorais escaparem de um tecido e migrarem para outro quando as condições no microambiente do tumor são adversas.

“A expressão da molécula aumenta especialmente em condições de hipóxia [falta de oxigênio] e privação de nutrientes para as células”, explicou Chammas.

“Quando a galectina-3 não consegue resolver essa situação, a molécula acaba induzindo a formação de vasos sanguíneos e, consequentemente, o crescimento do tumor”, afirmou.

Essa capacidade de formação de vasos sanguíneos (angiogênica) e as diversas outras funções desempenhadas pela galectina-3 estão fazendo com que a molécula seja apontada como um potencial alvo terapêutico.

Mas nem sempre o tumor depende da molécula para se desenvolver. “Estamos observando que o tumor depende da galectina-3 em momentos específicos de seu desenvolvimento”, disse Chammas.

“O problema é perceber qual o momento certo para intervir nas funções desempenhadas pela galectina-3 na progressão dos tumores e, consequentemente, começar e parar o tratamento dos pacientes”, disse.

Outro problema, segundo Chammas, é que, como a galectina-3 desempenha diversas funções durante a progressão do tumor, nem sempre é útil inibir e usar a molécula como alvo terapêutico.

“Precisamos identificar com precisão qual o melhor momento de intervir no funcionamento da galectina-3 para não causar efeitos adversos nos pacientes”, avaliou.

Imagem molecular

A fim de entender melhor as funções desempenhadas pela galectina-3 durante fases específicas e bem determinadas da progressão do tumor, o grupo de pesquisadores do Icesp pretende aumentar a colaboração com pesquisadores da UC Davis para estudar o processo de formação de tumores por imagem molecular.

O grupo de pesquisadores da área de engenharia biomédica da universidade californiana é considerado um dos mais experientes no mundo no uso dessa técnica que permite visualizar, caracterizar e medir processos biológicos nas células e em níveis moleculares em seres humanos e outros sistemas vivos.

“Esperamos aumentar muito as nossas interações com os colegas de Davis porque eles têm uma experiência muito grande no uso de diferentes abordagens de imagem molecular, para que possamos verificar, em tempo real, processos dinâmicos como os que observamos com a galectina-3”, disse Chammas.

Em 2002, a UC Davis fundou um Centro de Genômica e Imagem Molecular (CMGI, na sigla em inglês) para disponibilizar equipamentos de última geração para produção de imagens de tomografia computadorizada, ressonância magnética, ultrassom e de óptica, entre outras, para pesquisadores da instituição e de outras universidades do país e do exterior.

“Alguns dos objetivos do CMGI são fortalecer as colaborações internas e externas da universidade usando imagiologia em ensaios clínicos e outras aplicações e proporcionar oportunidades de formação para a próxima geração de radioquímicos e cientistas na área de imagem molecular”, disse Julie Sutcliffe, professora do Departamento de Engenharia Biomédica da universidade californiana em sua apresentação.

De acordo com a pesquisadora, há uma escassez de radioquímicos nos Estados Unidos. Por isso, estão sendo lançadas no país norte-americano ações para estimular a formação de mestres, doutores e pós-doutores na área.

“Essas iniciativas abrem grandes oportunidades de colaboração com o Brasil nessa área”, avaliou Sutcliffe.

Além da pesquisadora norte-americana e de Chammas, participaram como palestrantes da sessão sobre pesquisas em câncer Laura Marcu, pesquisadora do Laboratório de Biofotônica da UC Davis, e Dirce Maria Carraro, do A. C. Camargo Cancer Center.